sexta-feira, 15 de abril de 2011

Violência - Uma interpretaçâo filosófica

Minhas pesquisas versam sobre possíveis “sentidos” consubstanciados à Violência contemporânea. Tendo como argumento central: “a Filosofia de Hannah Arendt poderá ser um instrumento de análise desta violência?”. Nesse sentido, o enfoque é substancialmente centralizado no conteúdo filosófico de sua obra e nas possíveis interlocuções de pensadores clássicos da Filosofia e pensadores que, assim como Hannah Arendt discorreram sobre o tema no decorrer do século XX.
Mas, em virtude da necessidade da Filosofia ocupar um lugar de destaque na análise da violência contemporânea, tendo em vista na contemporaneidade o debate estar centralizado substancialmente nas áreas de conhecimento vinculadas a Sociologia e da Psicologia, convém aqui problematizar outras possibilidades de análise, agora com enfoque filosófico. Pois há uma infinidade de discursos propagados pela mídia contemporânea que dissemina uma idéia generalista do problema; de um lado discursos reafirmados pela psicologia ao patologizar a violência e, de outro, as Ciências Sociais ao transformarem em dados numéricos esses discursos. Tendo em vista que o enfoque da discussão geralmente é padronizado por esses dois campos da Ciência. Nesse sentido cabe problematizar em meus estudos um outro questionamento: Quais os instrumentos filosóficos na obra de Hannah Arendt que podem possibilitar outras interpretações ao analisarmos a violência contemporânea e que venham a destacar-se nos discursos sobre a violência?Pois, de um lado áreas da Psicologia tratando o tema da violência como patologia e, de outro, a Sociologia tratando do problema estritamente como um fato social.
Meu trabalho pretende investigar os mecanismos dessa violência, seu processo de reelaboração e manutenção na sociedade contemporânea numa perspectiva filosófica. É importante ressaltar aqui que Violência possa comumente significar uma ação usada à força para ir contra a natureza de algum ser, ou seja, desnaturar. Para Hannah Arendt, “a violência se caracteriza por sua instrumentalidade, distinguindo-se do poder, do vigor, da força e mesmo da autoridade. Diante disso, a Política constitui-se no horizonte de interpretação da violência, que não é nem natural, pessoal ou irracional. A violência contrapõe-se ao poder: de forma que onde domina um absolutamente, o outro estará ausente”.1 Não se trata de discutir levianamente qualquer aparato da violência, tendo em vista que todo ato de força contra a espontaneidade, à vontade e a liberdade de alguém é necessariamente “coagir, constranger, torturar, brutalizar. Neste contexto, todo ato de violação da natureza de alguém ou de algo valorizado positivamente por uma dada sociedade, transforma-se num ato de violação, ou seja, é um ato de transgressão contra o que alguém ou uma dada sociedade define como justo. Portanto, o que interessa aqui é “a violência enquanto um ato de brutalidade, de sevícia e de abuso físico e psicológico contra um indivíduo e que se caracteriza através de relações intersubjetivas que podem ser definidas socialmente pela opressão e intimidação, pelo terror e pelo medo, é isso que aqui interessa, ou seja, “como se dá, como se processa esta violência a partir de possíveis interpretações filosóficas”.
Creio que a Filosofia, por ser uma disciplina mater, possa possibilitar uma interlocução mais coerente e mais abrangente ao discutir a questão da violência, pois não desumaniza a interpretação da problemática. Nesse contexto, nenhuma filosofia se sobressai mais do que a Filosofia de Hannah Arendt, pois, ao longo de sua obra tratou essencialmente do ser humano, tratou de humanidade e teve como principal tentativa metodológica humanizar os homens de uma época. Assim como apontar o problema da violência a partir da relação de poder que foi instrumentalizada na sociedade contemporânea, inclusive em regimes democráticos.
É importante ressaltar, que as reflexões que pairam no âmbito deste projeto acadêmico também têm como objetivo analisar as possíveis interlocuções entre a Filosofia clássica e autores contemporâneos de várias áreas do conhecimento que também discutem a violência no século XX. Além disso, um dos principais objetivos desses estudos é possibilitar de forma crítica outro olhar sobre os possíveis “sentidos”, sobre as possíveis origens e manutenção da Violência, agora sob a responsabilidade teórica da Filosofia. Propondo uma análise intelectual da expansão do discurso cultural vigente promovido por influência midiática, que contribui fundamentalmente com uma “única” possibilidade de interpretação sobre as possíveis origens e manutenção da Violência. Diante disso, tenho trabalhado exaustivamente para que haja a construção de uma discussão séria no campo educacional, intelectual e midiático de que há outros “processos” de formação cultural da violência, que não são padronizados e elaborados somente numa perspectiva, mas sob vários vieses. Dissociando da idéia muito comum de que a violência somente surge a partir de condições materiais que não são bem elaboradas e equinanimemente distribuídas por uma dada sociedade.
  Há a pretensão no âmbito de todas estas questões apresentadas, de possíveis interlocuções e interpretações sobre as formas de construção da violência social, das suas formas de manifestações simbólicas, das formas das relações interétnicas, da história e dos contextos de violência desde a Grécia antiga à origem do Brasil, chegando à contemporaneidade. No caso brasileiro, a proposta de interlocução e interpretação tem se desenvolvido através da leituras de trabalhos memoriais da antropologia, por exemplo, de Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro, respectivamente em obras como Casa Grande Senzala e O Povo Brasileiro. E no caso da Filosofia, as minhas leituras têm se centrado em obras da Filosofia Política de Hannah Arendt, assim como tenho utilizado textos clássicos da oralidade socrática e textos memoriais de Platão e Aristóteles.
Partindo de sua interpretação de Kant, tenho elencado a teoria original sobre a violência de Hannah Arendt com sua base filosófica, ou seja, o Humanismo. “Cabe lembrar que foi Hannah Arendt quem primeiro alertou mundialmente para a falta de grandes estudos sobre o fenômeno da violência e a conseqüente banalização do conceito”. Também foi Hannah Arendt quem primeiro analisou com sofisticação intelectual as relações entre Poder, Governo e Violência e quem primeiro definiu a confusão comum entre Poder e Violência ao dizer:

[.] o poder é de fato a essência de todo governo, mas não a violência. A violência é por natureza instrumental; como todos os meios ela sempre depende da orientação e da justificação pelo fim que almeja.2

Outro importante filósofo com quem tenho trabalhado o conceito de violência é Eric Weil, para quem a Filosofia surge nos primórdios da antiguidade como forma de superação da violência. Em seus trabalhos é possível perceber uma grande crença na humanidade, uma crença que passa pela dotação da razão humana que funda uma humanidade e, essa humanidade se torna moral ao recusar a violência.
E, como aporte às minhas pesquisas empíricas e teóricas, tenho absorvido leituras pertinentes de importantes pesquisadores, tais como: Pierre Bourdieu, Ruben Alves, Octávio Ianni, Freud, Foucalt, W. Jaeger, Norbert Elias, E. Goffman, M.Taussig, Florestan Fernandes, Sérgio Adorno, dentre outros.

ARENDT 1994, p40-1

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