sexta-feira, 15 de abril de 2011

Estado de natureza x Estado civil em Hobbes e Locke - O papel do Estado em Hobbes e Locke

Introdução

O que serão analisados nos capítulos que sucedem esta introdução são as teorias hobbesianas e lockeanas. Tendo em vista a relevância dessas teorias para o campo do pensamento político moderno. Mas em paralelo e como suporte às questões teóricas, o trabalho de Rousseau será mencionado relevantemente.
Hobbes, Locke, assim como Rousseau, embora com proposições teóricas direcionadas contrariamente, todos influenciaram o pensamento moderno. Influenciaram o pensamento político moderno a partir das suas proposições sobre o Estado de Natureza e o Estado Civil. Proposições pautadas a partir da defesa de Hobbes sobre a origem da sociedade com o pacto social. Pacto no qual, segundo ele, os indivíduos teriam aberto mão de seus direitos, livremente, em nome de um poder político absoluto. Locke, por sua vez, defendeu os interesses do direito individual e foi um grande opositor das idéias hobessianas, fundamentalmente no quesito da legitimidade de uma instituição com poderes amplos.
Ambas teorias, as de Hobbes e Locke, assim como também as de Rousseau, proporcionaram soluções ou possíveis respostas, às problemáticas dos conceitos de poder, do surgimento deste poder e da efetiva aplicabilidade deste poder. Além de contribuírem enormemente com suas perspectivas teóricas em três importantes revoluções: a Revolução Gloriosa, as lutas pela independência norte-americana e a Revolução Francesa.

O Estado de natureza x Estado civil em Hobbes e o papel do Estado

O conceito de “Estado de natureza” tem como finalidade a tentativa de explicar uma situação pré-social na qual os indivíduos tenham existido isoladamente. Nesse sentido, para Hobbes, no Estado de natureza os indivíduos vivem isoladamente e em constante luta numa guerra de todos contra todos. Nesse estado impera fundamentalmente o medo da morte violenta e, conseqüentemente, para se protegerem uns dos outros, os homens criam as armas e passam a cercar as terras que ocupam. Vale lembrar que a vida nesse estado não tem garantias efetivas de proteção e a posse da terra não tem nenhum reconhecimento. A única lei é a força do mais forte, e é neste estado de natureza que o homem passa a ser o que Hobbes denominou de “o lobo do homem”.
Nesse sentido, Hobbes, na sua obra máxima O Leviatã, parte do princípio de que os homens são egoístas e que nesse sentido o mundo não satisfaz todas as suas necessidades e que, portanto, no Estado Natural, haveria a constante competição entre os homens pela riqueza. “Esta menção, ao meu ver, nos faz refletir sobre os tempos em que vivemos, tempos de constantes lutas de todos contra todos pelas riquezas e recursos naturais, ainda disponíveis” (GRIFO meu). Mas a luta da qual Hobbes salienta é a “guerra de todos contra todos”, e esta luta ocorre porque cada homem tem como finalidade essencial perseguir os seus próprios interesses. Mas o maior desejo dos homens é o de manter a sua própria vida e Hobbes atribui a este desejo o nome de instinto de conservação, pois no Estado natural a vida está em constante ameaça.
Segundo Hobbes, os homens, em decorrência deste instinto de conservação e guiados pela razão, são levados a compactuarem entre si, por meio de um contrato social, as seguintes prerrogativas:

“...a condição preliminar para obter a paz é o acordo de todos para sair do estado de natureza e para instituir uma situação tal que permita a cada um seguir os ditames da razão, com a segurança de que outros farão o mesmo”. (BOBBIO, 1991).

Nesse sentido, como é possível acabar com esta guerra, ou seja, a “guerra de todos contra todos?" A solução não é dada pela moral ou pela justiça, pois em virtude dos homens viverem no Estado natural estes conceitos não fazem sentido. Mas a resposta é dada pelo “contrato social”. É o desejo de abandonar o ataque de uns contra os outros. Mas uma promessa de apaziguamento por meio de um contrato social que não pode ser cumprida. Nesse aspecto, há que se estabelecer um mecanismo que obrigue o cumprimento deste contrato. Para que haja o cumprimento deste acordo, Hobbes salienta que se faz necessário a criação de um mecanismo de punição para aqueles que não cumprirem o acordo. Nesse contexto, para ele, a entidade ou o grupo que poderia fazer o papel do cumprimento efetivo do contrato social é chamada de “soberania”. Hobbes ressalta que, os homens reunidos numa multidão de indivíduos, pelo pacto social, passam a constituir um corpo político, uma entidade artificial criada pela ação dos homens e que hoje conhecemos por Estado.
Defensor do absolutismo estatal do rei, Hobbes criou uma teoria que fundamenta a necessidade de um Estado soberano como forma de manter a paz. Em sua teoria, Hobbes parte do contrário, ou seja, ele inicia a sua teoria a partir da convivência dos homens sem o julgo do Estado, para depois justificar a existência dele.
Soberania para Hobbes é caracterizada como o poder que estaria acima de tudo e de todos. Nesse sentido, o Estado soberano estaria acima das leis e acima das constituições. Neste aspecto, trata-se de um poder absoluto e indivisível. Esta soberania pode ser um indivíduo, uma assembléia eleita, ou ainda qualquer outra forma de governo. Vale lembrar que, a essência desta soberania consiste unicamente em ter o poder suficiente para manter a paz, punindo aqueles que a quebrarem. Quando este soberano, denominado por Hobbes de o Leviatã passa a existir, a justiça passa a ter sentido, tendo em vista que os acordos e as promessas passam a serem cumpridos obrigatoriamente.
É importante ressaltar que a função do soberano é o de assegurar que todos respeitem o contrato social e, deste modo, garantir a vontade de todos que buscam a paz e a segurança individual. É nesse sentido que Hobbes defende o poder absoluto e conseqüentemente defendeu esta forma de soberania nas principais monarquias absolutistas européias. Mas este soberano, nos lembra Hobbes deve desempenhar muito bem esta função, pois o soberano deve exercer um poder absoluto sem estar subordinado a ninguém, ou ainda não estar subordinado a nenhuma constituição ou Carta Magna.
Vale lembrar que a forma de poder absolutista almejada por Hobbes não era na prática àquelas formas vividas na prática pelas monarquias européias. Pois Hobbes acreditava que o soberano absoluto poderia expulsar da sociedade aqueles que se esforçassem por guardar coisas que fossem supérfluas enquanto outros sofressem da sua carência e privação. Neste sentido, o soberano é que deveria ficar encarregado de distribuir terras de um dado país ou região eqüitativamente em nome do “bem comum”. Os instrumentos do poder absoluto dos soberanos ainda seriam necessários para impedir os abusos e a violência cometidos pelos mais fortes contra os mais fracos, porque isso poderia desagregar a sociedade e destruir a pax civilis. Portanto, o Estado absoluto ou o Leviatã, deveria ser o monstro bíblico que protegeria os humildes dos arrogantes.
O Estado de natureza de Hobbes evidencia uma percepção social da luta entre os fortes e fracos. É o estado no qual vigora o poder da força e para cessar este estado de vida ameaçador, os homens optam em passar à sociedade civil, ou seja, ao Estado Civil, advindo daí o Poder Político e a criação de Leis. Ressaltando que a sociedade civil é o Estado propriamente dito, é também a sociedade vivendo sob o direito civil, é a sociedade vivendo sob as leis promulgadas e aplicadas pela entidade soberana, entidade autorizada pelo pacto social. O que é mais extraordinário nessa teoria é que os contratantes transferem o direito natural ao soberano e com isso o autorizam a transformá-lo em direito civil. Ou seja, os contratantes transferiram ao soberano o direito exclusivo do uso da força e da violência e de outros mecanismos do contrato social.

O Estado de natureza x Estado civil em Locke e o papel do Estado

Enquanto na teoria do pensamento político de Hobbes a propriedade privada não é um direito natural, mas é um direito civil, Locke abarca a sua teoria do pensamento político a partir do direito natural como um direito à vida.
Para Locke, o Estado passa a existir a partir do contrato social e possui as mesmas funções que Hobbes atribui a sua teoria do pensamento político contratual. Mas a principal finalidade do Estado Lockeano é o de garantir o direito natural da propriedade.
A teoria liberal do Estado de Locke tem uma função tríplice, sua primeira função é regida primeiramente por meio das leis e do uso legal da violência como garantidores do direito natural de propriedade, sem interferência na vida econômica. É daí que advém a idéia de liberalismo econômico, ou seja, o Estado deve respeitar a liberdade econômica dos proprietários privados, deixando que os mesmos estabeleçam as regras e as normas das atividades econômicas, ou seja, dos trâmites do mercado. Em segundo lugar, visto que os proprietários privados são capazes de estabelecer as regras e as normas da vida econômica, vale lembrar que, entre o Estado e o indivíduo há uma inter-relação com uma esfera social, ou seja, com a sociedade civil. É importante ressaltar que nesse processo o Estado não tem poder inquiridor, mas apenas a função de garantidor e árbitro dos conflitos no âmbito da sociedade civil.
Nessa teoria, o Estado tem a função de arbitrar essencialmente por meio das leis e da força os conflitos advindos da sociedade civil. Por fim, o Estado tem o direito de legislar, permitir e proibir tudo quanto pertença à esfera da vida pública, mas não tem o direito de intervir sobre a consciência dos governados. Nesse sentido, o Estado deve garantir a total liberdade de consciência, ou seja, garantir a liberdade de pensamento de todos os governados, podendo exercer a censura nos casos em que se emitam opiniões que ponham em risco somente os preceitos do próprio Estado.
Uma outra concepção importante, mas contraposta a de Locke e a de Hobbes é a concepção de Estado de natureza em Rousseau. Para ele, nesse estado os indivíduos vivem isolados pelas florestas, sobrevivendo com o que a natureza lhes dá. Diferente de Hobbes, nessa teoria os homens desconhecem as lutas e as guerras e vivem numa constante relação generosa e benevolente. Mas esse estado ideal de relações solidárias termina quando alguém cerca um terreno e proclama: “isto é meu”. Nesse sentido, é na divisão do que passa a ser meu e seu, ou ainda, no surgimento da propriedade privada é que se dará o surgimento da sociedade como a conhecemos hoje. E também corresponderá ao Estado de natureza hobbesiano no sentido da guerra de todos contra todos.
Partindo numa intersecção de ambas teorias, ou seja, as de Hobbes e as de Rousseau, Locke fundamenta a teoria do direito natural como direito à vida, direito à liberdade e aos bens necessários para a conservação de ambas. E esses bens só são conquistados por meio do trabalho. O que Locke faz é legitimar a propriedade privada enquanto “direito natural”, direito conquistado por meio do trabalho. Escreve Locke:

“...é um artífice, um obreiro, um arquiteto e engenheiro que fez uma obra, ou seja, o mundo. Este, como obra do trabalhador divino, a ele pertence. É seu domínio e sua propriedade. Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, deu-lhe o mundo para que ele reinasse e, ao expulsá-lo do Paraíso, não lhe retirou o domínio do mundo, mas lhe disse que o teria com o suor de seu rosto. Por todos esses motivos, Deus instituiu, no momento da criação do mundo e do homem, o direito à propriedade privada como fruto legítimo do trabalho. Por isso, de origem divina, ela é um direito natural”. (CHAUÍ,2000).

Nascia daí a teoria liberal e a burguesia de então passa a se ver como legítima perante a nobreza e a realeza. E desta forma, os burgueses passam a acreditar serem proprietários legítimos em virtude do esforço de seus próprios trabalhos. E nobreza e realeza passam a serem consideradas verdadeiros parasitas, pois somente usufruem daquilo que foi produzido. Deste modo, a teoria lockeana possibilitará na Inglaterra a consolidação em 1688, na chamada Revolução Gloriosa. E em 1776 contribuirá teoricamente com as lutas de independência dos Estados Unidos da América e uma década depois, contribuirá com o aparato teórico da Revolução burguesa na França de 1789.

Conclusão

O que pôde ser averiguado nas teorias de Hobbes e Locke é que ambos oferecem soluções ou respostas contrárias ao problema da teoria do pensamento político nos Estado de natureza e Estado civil. Pois, enquanto Hobbes defende que a origem da sociedade só é possibilitada por meio de um pacto social, pacto no qual os indivíduos livremente transgridem os seus direitos em troca de um poder político absoluto. Locke, por sua vez, defende os interesses da liberdade individual dos indivíduos e é bastante contestador da transgressão dos direitos individuais, assim como também é contrário à legitimidade de uma instituição com poderes absolutos.
Diante deste contexto, Rousseau tentará conciliar as posições de Hobbes e Locke ao propor a idéia de uma vontade geral movida pelo povo e em separado do Estado. Pois os indivíduos, segundo Rousseau, ao obedecerem as leis, estariam obedecendo a si mesmos e não necessariamente a um complexo estatal. Pois desse modo, os indivíduos resguardariam os interesses coletivos em nome do bem comum.
Ao desenvolverem essas teorias, Hobbes, Locke e Rousseau desenvolveram três noções importantes, ou seja, o Estado de Natureza, o Contrato Social e o Estado Civil.
No Estado de Natureza o objetivo principal desses autores é o de compreender as condições em que viviam os homens antes de sua existência em sociedade, ou ainda, antes do surgimento do Estado. Pois, deste modo, a possibilidade de um pacto social ou contrato social é o que provavelmente explicaria como os seres humanos poderiam ter saído do estado de natureza e chegado ao Estado ou o denominado Estado Civil.
De maneira geral, Hobbes e Locke desenvolvem as noções fundamentais da filosofia política moderna, respectivamente através de duas importantes obras, O Leviatã (1651) e Tratado sobre o governo civil (1690). Em O Leviatã, para compreender a origem da sociedade e a necessidade de um poder político, Hobbes começa por definir o que é o homem, e o caracteriza da seguinte forma:

... “o homem é um ser movido por uma única paixão, a busca do prazer e a recusa do desprazer. Impelidos por um mesmo desejo, os homens buscam impor suas vontades sobre os demais já que o único direito que vigora na natureza é a força”. (NASCIMENTO, 2008).

Disso, segundo Hobbes, resultaria na guerra de todos contra todos. No entanto, John Locke no seu Tratado sobre o governo civil concebe o estado de natureza diferente de Hobbes e o concebe numa situação de certa paz e harmonia entre os homens. Mas para Locke, no estado de natureza, os homens, já dotados de razão, também já desfrutam de alguns direitos naturais que o direito civil só irá confirmar. Alguns desses direitos são: o direito de propriedade, que é conseqüência do trabalho; o direito de liberdade pessoal, o direito de legítima defesa, dentre outros. É importante ressaltar que, diferente de Hobbes, Locke não defende as pretensões de um poder absoluto, mas corrobora a idéia de um pacto social como origem do poder político. Lembrando que aqui o pacto social não é, como o foi em Hobbes, a renúncia do indivíduo que abre mão do poder individual em favor de um soberano, mas trata-se de um contrato com reciprocidade de compromissos. Enquanto em Hobbes o pacto social é um pacto de submissão, em Locke é um pacto fundamentalmente de consentimento.

Referências bibliográficas

HOBBES, Thomas. O Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil., São Paulo, Os Pensadores, 4 ed., Nova Cultura, 1998.

BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes. Rio de Janeiro, Campus, 1991.

CHAUÍ, Filomena. Filosofia. São Paulo, Editora Ática, 2000.

LOCKE, Segundo Tratado sobre o governo, Martins Fontes, 1995.

NASCIMENTO, Rodnei, Indivíduo e Estado nas filosofias de Thomas Hobbes e John Locke, in: Logos e Práxis: Leituras de Filosofia Antiga, Ética e Política, Metodista, 2008.

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