domingo, 17 de abril de 2011

Violência e Cultura

O ser humano é o único animal que mata por questões fúteis. O único com uma capacidade para um tipo específico de mal ou algum tipo de violência pré-determinada e sem ganhos imediatos. Isto foi possível porque foi o único animal que desenvolveu uma cultura mais complexa e porque obteve uma linguagem que lhe permitiu elaborar planos de longo prazo e combinar estratégias de grupo.

Violência: Gilberto Velho - UFRJ

A violência contemporânea surge da imagem explorada e comercializada nos meios de comunicação de massa, ao reforçarem a cultura do medo e a banalização da violência. Além dos valores individualistas, como o consumismo desenfreado, que influenciam a rotinização da violência. Assim como o tratamento do outro como objeto, em detrimento de sua condição de sujeito de direitos, que tem se reforçado com o aumento da exclusão econômica. E, fundamentalmente, a perda da “indignidade” com a dor do outro e a aceitação da violência contra grupos minóricos.

Sérgio Adorno - NEV - Núcleo de Estudos da Violência - USP

É uma particularidade do viver social, um tipo de negociação, que pelo emprego da agressividade visa solucionar conflitos que não se deixam resolver pelo diálogo e a cooperação.

Durkheim - Violência para a Sociologia francesa

É um estado de fratura nas relações de solidariedade social e em relação às normas sociais e jurídicas vigentes.

Teoria freudiana sobre a Violência

“Dualidade pulsional” - coexistência dos instintos de vida e de morte. A violência seria constitutiva do sujeito, podendo ser "domesticada" através da Evolução Cultural.

Posição da Antropologia contemporânea sobre o tema da Violência no Brasil

Há várias modelos de violência. O maior problema é quando o “denuncismo” centraliza a observação e a intervenção no campo da defesa, disseminando uma posição “catastrófica” do fenômeno. Deve-se estudar não só os conflitos de gerações e a violência institucional. É necessário também estudos no campo das “micro-relações” e na subjetividade dos sujeitos, como forma de compreensão analítica do fenômeno.

Violência contra a mulher: é violência contra a casa, contra a família, contra a escola, contra a sociedade

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Declaração Universal dos direitos Humanos

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um dos documentos básicos das Nações Unidas e foi assinada em 1948. Nela, são enumerados os direitos que todos os seres humanos possuem.
Preâmbulo
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,
Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os todos gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum,
Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo império da lei, para que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão,
Considerando ser essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações,
Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano e na igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla,
Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades humanas fundamentais e a observância desses direitos e liberdades,
Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso,
agora portanto,
A Assembléia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos
como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.
Artigo I.
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.
Artigo II.
1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.
Artigo III.
Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Artigo IV.
Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.
Artigo V.
Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.
Artigo VI.
Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei.
Artigo VII.
Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.
Artigo VIII.
Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.
Artigo IX.
Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.
Artigo X.
Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.
Artigo XI.
1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.
2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.
Artigo XII.
Ninguém será sujeito à interferência em sua vida privada, em sua família, em seu lar ou em sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.
Artigo XIII.
1. Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado.
2. Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar.
Artigo XIV.
1. Todo ser humano, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países.
2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas.
Artigo XV.
1. Todo homem tem direito a uma nacionalidade.
2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.
Artigo XVI.
1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução.
2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes.
3. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado.
Artigo XVII.
1. Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.
2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.
Artigo XVIII.
Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, em público ou em particular.
Artigo XIX.
Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.
Artigo XX.
1. Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica.
2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.
Artigo XXI.
1. Todo ser humano tem o direito de fazer parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.
2. Todo ser humano tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.
3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.
Artigo XXII.
Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.
Artigo XXIII.
1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.
3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.
4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses.
Artigo XXIV.
Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.
Artigo XXV.
1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social.
Artigo XXVI.
1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.
2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.
Artigo XXVII.
1. Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir das artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios.
2. Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica literária ou artística da qual seja autor.
Artigo XXVIII.
Todo ser humano tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.
Artigo XXIX.
1. Todo ser humano tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível.
2. No exercício de seus direitos e liberdades, todo ser humano estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.
3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos objetivos e princípios das Nações Unidas.
Artigo XXX.
Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.

Parte de um trabalho meu que será publicado pelo Centro Celso Furtado, tendo em vista a premiação nacional, na categoria, em 2010

Os Brasileiros que foram cooptados e submetidos à violência social e aos mandos e desmandos de uma sociedade de côrte e oligárquica, mas que possibilitaram a construção de uma das maiores instituições públicas do Brasil

AGRADECIMENTOS


Agradeço a minha eterna companheira Simone pela contribuição e incentivo emocional. Aos meus quatro filhos do coração e do espírito, Luís, Tiago, Talita Ariadne e Tainá Ianaê.
Agradecimentos sentimentais às minhas avós materna e paterna que, embora não soubessem ler e escrever, me ensinaram a ver e a ler o mundo através das suas histórias de vidas e das leituras de literaturas de cordel que as faziam sonhar e chorar nas tardes de domingo.

Fraternos agradecimentos às minhas professoras e aos meus professores da Universidade de São Paulo, professora Lilia Moritz Schwarcz, Margarida Maria Moura, Marta Amoroso, Fernanda Áreas Peixoto, Márcio Silva, Luís Carlos Jackson e o professor Ulpiano, que me ensinaram a ver e a ler as histórias do Brasil com sensibilidade, com razão crítica, com afeto, humildade e emoção.


A coesão social deve-se, em grande parte, à necessidade de uma sociedade se defender de outras.
Henri Bergson, 1859-1941, filósofo francês





RESUMO


Análise histórica e antropológica sobre a construção e formação do perfil da Caixa Econômica Federal, enquanto instituição pública de direito. Promotora do desenvolvimento social, político e econômico brasileiro. Esta análise procura descrever e valorizar a representação social que esta instituição construiu ao longo de seus quase 150 anos. Pressupondo que a instituição nasceu das reivindicações e demandas de uma sociedade excluída da condição sócio-econômica do Brasil do século XIX.


Palavras-chave: CAIXA, INSTITUIÇÃO, PÚBLICA,


INTRODUÇÃO

Desde o século XIX a Caixa Econômica Federal se faz presente na vida de milhões de brasileiros. Sua raiz intelectual e econômica se inicia com a casa de Penhor Monte de Socorro da Corte e a Caixa Econômica da Corte, duas importantes instituições públicas, que mais tarde se fundiram e contribuíram enormemente com o processo de formação econômico, social e político do Brasil.
Foi na época imperial sob a regência de D. Pedro II que nobres sem fortuna alguma, senhoras de poucas rendas, negros pleiteando as alforrias e pequenos comerciantes, depositaram suas economias no que hoje conhecemos como Caixa Econômica Federal. Aliás, a Caixa tem sido sinônimo de garantia para milhares de poupadores e garantiu os depósitos de seus clientes por quase 130 anos ininterruptos, até a chegada ao poder do presidente Fernando Collor de Melo, que por decreto mandou confiscar todos os ativos financeiros da população brasileira, inclusive as tão fiéis cadernetas de poupança. Esta monografia versa sobre esses “causos” e outros do desenvolvimento econômico brasileiro e a importância da Caixa nesse cenário. Uma instituição que se mostrou forte desde seus primórdios e que procurou satisfazer aos redamos de grande parte da coletividade e, não apenas a um seleto grupo ou classe social. Com isso, em 12 de janeiro de 1861, Dom Pedro II assina o decreto 2.723 que sanciona a criação de uma Caixa Econômica e um Monte de Socorro na Corte, cuja finalidade maior naquele momento, era o de conceder empréstimos e estimular o hábito de poupar entre a população até então tida como imprevidente e perdulária.
A Caixa como instituição pública participante dos principais momentos da história do Brasil, a partir do segundo reinado, nasceu de pequenas poupanças de escravos que almejavam a liberdade por meio de suas cartas de alforria, de senhoras que penhoravam suas jóias mais singelas e de pequenos comerciantes que fugiam da usura da agiotagem ao tomarem empréstimos com juros bem menores. Esses segmentos sociais contribuíram grandiosamente para que uma instituição pública como a Caixa ainda se fizesse presente na vida de milhões de brasileiros que, a exemplo daquela época, ainda hoje almejam serem “justamente” reconhecidos e respeitados como cidadãos plenos de direitos.

CAPÍTULO I – SÉCULO XIX, A CAIXA COMEÇA SUA HISTÓRIA

A história da Caixa Econômica Federal do Brasil está estreitamente relacionada à história de milhares de brasileiros e brasileiras que, ao longo de suas histórias de vida, foram de algum modo excluídos do universo econômico e da participação ativa da política do Brasil do século XIX. Foram pequenos comerciantes, homens e mulheres de baixa renda, que eram submetidos a trabalhos braçais de pouco ganho, mulheres e homens negros apresados e surrados pelo trabalho escravo e pela vida, que pretendiam poupar para conquistar a tão sonhada carta de alforria, negros e negras alforriados que também pretendiam conquistar a “efetiva” liberdade econômica em detrimento dos mandos de seus ex-senhores. Assim como milhares de brasileiros que fugiam da usura da agiotagem e das condições econômicas instáveis vividas à época. Esses foram os homens e mulheres que primeiro ajudaram a construir o que hoje é o maior banco público do Brasil e da América latina e é uma das instituições mais importantes na área da gestão de políticas públicas na contemporaneidade.
Falar da construção histórica da Caixa é descrever um processo histórico inovador à época, tendo em vista que nenhum banco do Império abarcava os grupos e segmentos sociais menos privilegiados, sem levar em consideração os ganhos vultuosos que desejavam ter.Tais instituições se pautavam essencialmente em aspectos draconianos do capitalismo nascente e no efetivo mecanismo da usuragem, ou seja, pretendiam conquistar ganhos imediatos e vultuosos, sem levar em conta os anseios individuais de seus clientes, suas histórias de vida, suas reais necessidades seus modos operandi.
Foi na época imperial, no segundo reinado, período na história do Brasil que compreendeu quase 60 anos e que começou nos anos 1840 e foi até 1889, findando com a proclamação da república, que a Caixa deu os seus primeiros passos. Foi o período que iniciou com a declaração de maioridade do regente Dom Pedro II, que aliás, foi sob a regência deste que nobres sem fortuna, senhoras de poucos ganhos, negros pleiteando as alforrias, negros alforriados e pequenos comerciantes, sonhavam em ter condições mais dignas de existência. Com isso, passaram a depositar suas economias no que hoje conhecemos como Caixa Econômica Federal. Desde então, a Caixa tem sido sinônimo de garantia de milhares de poupadores e garantiu os depósitos de seus clientes por quase 130 anos consecutivos, até a chegada ao poder do presidente Fernando Collor de Melo, que por decreto mandou confiscar todos os ativos financeiros da população brasileira, inclusive as cadernetas de poupança. Tal medida afetou a confiabilidade de milhões de brasileiros, que até então tinham na Caixa a certeza da garantia de resguardo de seus recursos, poupados durante anos.
Cabe lembrar que, embora a criação da Caixa tenha sido oficializada em data de 12 de janeiro de 1861, a idéia de criação das Caixas Econômicas no Brasil remonta à data de 1830, quando surgiram suas primeiras formas organizacionais nos Estados de Pernambuco, Alagoas, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Destas Caixas Econômicas iniciais, somente a de Ouro Preto no estado de Minas Gerais conseguiu sobreviver por mais tempo. Foram vários os fatores que provocaram a decadência dessas primeiras versões de Caixas Econômicas, dentre esses fatores estavam: a falta de apoio consistente do Império sob a regência de Dom Pedro I no primeiro reinado. Além das constantes crises financeiras da época, como por exemplo a crise de decadência da extração do ouro, associada à falta de clareza das instituições públicas que realmente satisfizessem as demandas de classes menos privilegiadas. Não havia à época uma preocupação em atender uma população considerada desprivilegiada do ponto de vista econômico e social. As instituições financeiras do século XIX estavam tão centradas no ganho imediatista e na usuragem, que se quer tinham qualquer tipo de sensibilidade para pensar num modelo diferenciado para atender o enorme contingente de brasileiros que viviam em condições subumanas.
Diante de todos esses complicadores, havia ainda um contingente enorme de escravos que estavam prestes a conquistar a liberdade, em anos próximos. Pois, embora a Lei Eusébio de Queiróz tenha posto fim ao tráfico de escravos, no Brasil do princípio do segundo reinado, diversos homens e mulheres negros ainda viviam sob o domínio da escravidão. Mas os movimentos abolicionistas atuavam insistentemente em prol da libertação efetiva dos escravos. E, um dos grandes problemas que estava por vir era, como atender este contingente de escravos que estava por libertar-se, como financiar a força de trabalho liberta? Como a sociedade brasileira abarcaria esse grande número de homens e mulheres libertos sem prejuízo do status quo, que foi construído sob o alicerce das Capitanias Hereditárias e através de uma sociedade oligárquica e agrária, que durante séculos serviu de modelo de administração pública no Brasil?
Esse tipo de preocupação não vigorou nas cabeças dos homens públicos da política brasileira. Não houve aqui um projeto nacional que pudesse absorver essa mão de obra escrava e introduzi-la socialmente. O que na verdade houve foi a iniciativa de uns poucos, que possibilitaram a construção de uma instituição que deu os primeiros passos para atender “socialmente” um grupo que até então não era reconhecido socialmente.
Nesse contexto, penso que um dos fatores preponderantes no processo de criação oficial da Caixa Econômica Federal, esteja substancialmente relacionado às demandas que se fizeram por parte das classes menos privilegiadas. Tendo em vista a emergência de atendimento destes segmentos sociais que não eram considerados sensivelmente e passaram a clamar socialmente por um atendimento especial. Mas, um fator bastante contributivo e bastante exemplificado em obras como a da historiadora e antropóloga Lílian Schwarcz em seu trabalho As barbas do Imperador, que trata muito bem dessa emergência, foi o fator do progresso cultural e industrial do século XIX. Pois, segundo Lílian, à frente desse pensar emergencial estava o imperador Dom Pedro II, figura de caráter personalista e homem à frente de sua época. O imperador era o representante mais característico de um movimento cultural e industrial que se ascendia intelectualmente em meios do século XIX na Europa. Como viajou muito pelo mundo e trouxe ao Brasil modelos de modernidade do exterior para cá, D. Pedro II, impulsionado pela emergência e clamor de uma massa desprivilegiada decreta a criação de uma Caixa Econômica e um Monte de Socorro.
Claro que as demandas sociais foram marcantes, como a emergência de atendimento de uma população desprivilegiada e de pouca renda, da possibilidade de ascensão de uma população negra numerosa que se pretendia alforriar, como já afirmado em parágrafos anteriores. Mas, essas demandas sociais bastante pulsantes e associadas à visão bastante sensível do imperador Dom Pedro II e aos problemas enfrentados no século XIX, criaram a possibilidade da aprovação em 22 de Agosto de 1860 da Lei dos Entraves. A Lei dos Entraves propiciou a criação de uma Caixa Econômica e, no dia 12 de janeiro de 1861 o imperador assina o Decreto 2.723 que aprova a criação de uma Caixa Econômica e um Monte de Socorro na Corte. Cabe ressaltar que, o nome Monte de Socorro foi inspirado nos Montes Pios ou nos Montes de Piedade europeus. Esses Montes de Piedade eram na Europa uma tábua de salvação para as classes menos privilegiadas da população, que por conseguinte não tinham acesso a estabelecimentos bancários e desse modo não podiam contrair empréstimos. Nos Montes de Piedade ou Montes de Socorro os empréstimos eram tomados com garantia de jóias e objetos, a juros razoáveis e prazos também aceitáveis para pagamento.
Já nos idos de abril de 1874, Dom Pedro II, tendo decretado a criação da primeira Caixa e de um Monte de Socorro na côrte em 1861, assina o Decreto 5.594 autorizando a construção de Caixas Econômicas e Montes de Socorro nas Províncias do Império. A primeira Caixa construída fora da corte foi a de São Paulo, com sede hoje na Praça da Sé, nº 235, que durante muitos anos foi sede oficial da Presidência da Caixa Econômica Federal.
Diante dessas demandas sociais à época, pensar numa instituição como a Caixa, instituição pública que primeiro sinaliza atender uma população numerosa de desgarrados sociais, é pensar numa instituição à frente de seu tempo. Diante do exposto, pode-se afirmar que a Caixa Econômica Federal foi a primeira instituição brasileira que primeiro deu os passos para atender esses segmentos sociais, tornando-se não só pioneira, mas também uma instituição moderna ao pensar as questões sociais e econômicas de mercado, concomitantemente.
Neste sentido, a criação de uma Caixa Econômica nos moldes pensados pelas sociedades da época e alinhadas ao desejo pessoal do imperador Dom Pedro II, privilegiava a concessão de empréstimos e o estímulo a poupança numa população até então tida como imprevidente. Portanto, a Caixa Econômica Federal nasce substancialmente do recebimento de pequenas poupanças advindas de classes menos abastadas, incluindo homens e mulheres considerados à margem da sociedade de Côrte. Também estavam incluídos nesta marginalidade os escravos, que também passaram a economizar para pagar suas cartas de alforria, e, em contra partida, a Caixa garantia o pagamento de juros de 6% a.a. E também garantiu a restituição dos depósitos a ela confiados, sendo quebrada essa garantia somente no primeiro governo democrático brasileiro pós-ditadura de 1964, no então governo do presidente Fernando Collor de Melo.
A Caixa também inicia nesse período do segundo reinado, na segunda metade do século XIX, suas operações com as atividades de Penhor que até hoje têm importância significativa do ponto de vista econômico e do ponto de vista social. Pois, a maneira como a Caixa trata o Penhor não se pauta somente sob o viés economicista, ela também trata as questões do penhor sob a ótica emocional. Desse modo, levando em consideração aspectos inerentes à história de seus clientes, às relações emocionais que estes têm com seus objetos de família, quando são penhorados. Diante disto, propondo renegociações que possibilitem o retorno de objetos sentimentais aos seus verdadeiros proprietários. É importante ressaltar que, antes do surgimento da Caixa Econômica Federal, havia no Brasil imperial centenas de casas de penhora que eram conhecidas popularmente como “Casas de Prego”. Casas de Prego tem origem no costume que seus proprietários tinham de colocar as peças empenhadas dependuradas num prego, que ficava à vista daqueles interessados em adquiri-las, caso seus verdadeiros proprietários não pudessem reavê-las. É daí a expressão “pôr no prego”. Os métodos de persuasão dos comerciantes das Casas de Prego não eram os mais sentimentais, eram na verdade métodos instrumentalizados pela agiotagem, que se pautavam estritamente no capitanear os parcos recursos das famílias menos abastadas, à cobrança de juros exorbitantes, sob pena de leilão dos objetos, muitas vezes objetos de certo valor econômico e muitas vezes de valor econômico e sentimental.
A criação de uma instituição como a Caixa Econômica no Brasil do século XIX, à primeira vista pode parecer não ter sentido algum. Afinal, como explicar num país como o Brasil, proliferado de comunidades indígenas multiétnicas, europeus, negros de origens diversas do continente africano, assim como uma gama de miscigenados, todos esses grupos vivendo sob o poderio de uma monarquia lusitana. Monarquia que fugiu do império de Napoleão Bonaparte e se refugia em terras tropicais e permanece como monarquia por quase setenta anos, rodeada de países republicanos? E, ao mesmo tempo, como pensar que a necessidade de uma instituição social como a Caixa nasceu da cabeça de um homem do século XIX, que não era um cidadão desprivilegiado socialmente, não era nenhum integrante de um movimento abolicionista e não participava de nenhum movimento republicano? E que a idéia de criação de tal instituição não nasceu estritamente de um movimento que demandava e clamava por atendimento emergencial, mas nasceu da idéia de um monarquista que, por ora, era o imperador do Brasil? A resposta talvez seja porque Dom Pedro II era um indivíduo do século XIX, viajado pela Europa e pelo resto do mundo e que fazia parte das maiores realezas européias, a realeza dos Bragança, dos Bourbon e dos Habsburgo. Este indivíduo estava reinando num país extremamente tropical, permeado de comunidades indígenas das mais diversas, sem contar que o Brasil na época era o único país no mundo que ainda tinha como um de seus alicerces sociais o regime escravista. Segundo dados historiográficos coletados pela professora Lílian, só na capital do segundo reinado, o Rio de Janeiro, tinha à época uma população de 97 mil habitantes e uma população escrava de quase 40 mil pessoas, ou seja, quase metade da população era negra e escrava (LILIAN, 2007 – P.13). Como explicar a criação de uma instituição que irá atender fundamentalmente àquelas populações menos privilegiadas num país com tantas contradições étnicas, sociais e econômicas? A resposta talvez esteja no fato do regente Dom Pedro II ter sido um homem à frente de seu tempo, pois viveu a época das grandes inovações científicas, época da revolução industrial e da maior guerra que os latino-americanos jamais viram no continente, a Guerra do Paraguai. Segundo Lílian, o regente era bastante viajado e esses contatos com o exterior possibilitou-lhe uma efervescência intelectual bastante contundente, pois manteve estreito contato com intelectuais iluministas na Paris do século XIX. Ao analisar todo este contexto histórico de época, penso que o regente tinha em mente modernizar o Brasil e, não dava para pensar em modernidade convivendo com regime escravista e vida insalubre, como muitos brasileiros viviam à época.
Outro fator preponderante que possibilitou a criação de instituições que mantivessem lastro econômico com populações menos privilegiadas foi a emergência da produção do café. Embora o café tenha sido introduzido na agricultura brasileira nos idos de 1717, sua produção adquiriu grande importância no princípio do século XIX, tendo em vista a decadência da extração do ouro, que era o setor econômico para onde estavam voltadas as atenções da economia do império. É importante ressaltar que o café foi o produto de fundamental importância e que possibilitou a recuperação econômico-financeira do Brasil de fins do século XIX. Pois ele reintegrou a economia brasileira, que era essencialmente agrícola, aos setores em expansão do mercado mundial. Neste sentido, instituições como a Caixa Econômica tinham que ser criadas para que pudessem atender à demanda de uma população que, até então era essencialmente escrava e monocultora e que agora passaria a se profissionalizar e contar com pequenos financiamentos para também produzir o café. Sem contar que uma grande parte desta população passaria a trabalhar em fazendas cafeeiras e não poderiam viver como viviam no regime de trabalho escravocrata. A partir daí, a Caixa inicia sua jornada atendendo sensivelmente àqueles segmentos sociais que até então eram discriminados pela sociedade de Côrte e começa a fazer a grande diferença não só econômica, mas também social e política.
A Caixa passa a ser uma instituição de referência nacional, pois não tinha práticas de um banco convencional, daí foi se personalizando como um banco Social e Político. Pois, ao se tornar sensível às demandas emergentes de uma sociedade excludente, passou a capacitar seu modus operandi para apreender o Social e politizar criticamente seus clientes. Com isso, a Caixa no futuro se posicionará como o único banco oficial a processar os atendimentos sociais, administrando recursos importantes como o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), os recursos de saneamento e tratamento de água e esgoto, o Seguro Desemprego, o PIS e tantos outros fundos que contribuíram para formar o caráter social do banco oficial dos milhares de brasileiros desprivilegiados economicamente e socialmente.




CAPÍTULO 2 – COOPTANDO BRASILEIROS SUBMETIDOS À VIOLÊNCIA SOCIAL E AOS MANDOS E DESMANDOS DE UMA SOCIEDADE DE CÔRTE E OLIGÁRQUICA

Quem eram os primeiros brasileiros que ajudaram a construir uma das instituições públicas mais importantes do mundo e uma das maiores da América latina? Como viviam, como se relacionavam social e economicamente? Quais eram seus anseios e desejos sociais? Como foram cooptados pela Caixa e como aceitaram esta cooptação? Que brasileiros eram esses?
O brasileiro que primeiro ajudou a construir a Caixa foi o brasileiro do século XIX. Foi o brasileiro negro e escravo, foi o brasileiro sertanejo e itinerante, foi o brasileiro caboclo desindianizado, foi o brasileiro pardo de ancestralidade moura e de mestiçagem forçada, foi o brasileiro humilde e submetido às condições mais indignas que este continente jamais viu. Foi uma gente humilhada e submetida aos anseios e desejos de uma oligarquia agrária e urbana desvairada e sedenta de dinheiro e poder desmesurado.
O brasileiro do século XIX era o brasileiro submetido ao senhorio local, senhorio que era o verdadeiro mandatário que exercia o papel de manter a desigualdade e a concentração de riqueza nas mãos de uns poucos. Era um senhor feudal, mantendo seus feudos, suas Casas Grandes sob atento olhar. Casas Grandes & Senzalas administradas através do mando e do desmando, através da permissividade, da libertinagem, da corrupção e de toda variação de violência da nossa cultura. Aliás, os conceitos de Família e de Sociedade brasileira foram configurados na Casa Grande e foram essas Casas que ajudaram a gestar e a formar as grandes oligarquias agrárias e urbanas que ainda hoje se perpetuam no Brasil do século XXI. Como já afirmou Durkheim, “A família é o principal sujeito das estratégias de intervenção e de reprodução, não apenas biológica, mas também reproduz das relações sociais, econômicas e políticas. E dentre estas relações também reproduz a violência”. Daí que, pode-se afirmar que a família é produto do trabalho de instituição que tem como objetivo instituir, de forma adequada ou não a sociabilidade. Neste sentido, o brasileiro do século XIX foi o brasileiro submetido às condições desumanas e desiguais que foram gestadas no Brasil colonial, perpetuadas na sociedade de côrte e mantidas na república dos coronéis do século XX.
Os brasileiros que ajudaram a construir o maior banco público do Brasil foram àqueles brasileiros que, como já dizia Darcy Ribeiro, “sofreram um parto violento ao nascerem”. Foram aqueles brasileiros que viveram em terras em que se estimularam os estupros de índias, o genocídio indígena, a compra de negros da África para processamento de um dos piores modelos de servidão humana, o regime escravista. Como afirmou Darcy Ribeiro em trabalho memorial:

“O primeiro brasileiro consciente de si foi, talvez, o mameluco, esse brasilíndio mestiço na carne e no espírito, que não podendo identificar-se com os que foram seus ancestrais americanos – que ele desprezava -, nem com os europeus – que o desprezavam -, e sendo objeto de mofa dos reinóis e dos lusonativos, via-se condenado à pretensão de ser o que não era nem existia: o brasileiro”. (RIBEIRO, 2002 – P.128)

Foram esses brasileiros que foram cooptados pela Caixa Econômica Federal. Foram os brasileiros que, embora existissem, que embora fizessem parte do status quo do Brasil colonial e do Brasil do século XIX, não eram reconhecidos como brasileiros. Foram esses homens e mulheres, aos montes, que foram cooptados pela Caixa Econômica e durante muito tempo formaram e ainda formam o perfil social de clientes numa instituição pública como a Caixa. Indivíduos que até hoje ainda transmitem em seus descendentes e clientes atuais da Caixa, a marca da subserviência, da necessidade de um atendimento especial, porque são “brasileiros”. São clientes que ainda vivem as relações de subserviência da Casa Grande & Senzala, que são relações que, infelizmente ainda vigoram em nossa sociedade e que reforçam os mecanismos de violência social. Nesse contexto, vejo que há na Caixa, não só via instituição, mas também no perfil de 81 mil funcionários, a preocupação e a necessidade de reafirmação de ações públicas e sociais no que tange ao atendimento de seus clientes. Creio que os funcionários, de um modo geral, apreenderam a idéia de que devemos fazer a diferença, pois somos um banco histórico, um banco social e, diante de tanta adversidade histórica, pensamos sempre em também ter um atendimento e uma atenção especial para com nossos clientes e colaboradores.
A Caixa nasceu num Brasil multifacetado de 10 milhões de pessoas miscigenadas, de variada cultura, eram índios, negros, europeus, caboclos, mamelucos e mulatos. Penso sempre em Darcy Ribeiro ao analisar essas multifacetas. Darcy sempre dizia que deveríamos primeiro nos reconhecer como brasileiros que somos, para depois nos aceitarmos como brasileiros. Em O Povo Brasileiro há uma menção muito dolorosa dessa afirmativa que, embora nos seja bastante dolorosa, ela nos serve de consolo para esse reconhecimento que ele tanto nos falou. Esse reconhecimento é necessário porque só assim podemos nos aceitar como brasileiros que somos. A menção a esse povo que teima em existir diz o seguinte:

“O que se estimulou no Brasil foi o estupro de índias, o genocídio indígena, a importação de negros da África. Nunca houve aqui um “conceito de povo” que pudesse englobar a todos e atribuir-lhes direitos, nem mesmo o direito elementar de trabalhar para nutrir-se, vestir-se e morar dignamente. A sociedade que se formava era um mero conglomerado de gentes multiétnicas, alguns oriundos da Europa, muitos da África e muitos que aqui já estavam. O Brasil nasceu fruto da violência”. (RIBEIRO, 2002 – O POVO BRASILEIRO)

Foi esse o Brasil que deu início a essa grande aventura que é a Caixa Econômica Federal do Brasil. Em seus primeiros dias de nascimento já se identificavam algumas tendências e perfis que se consolidariam e reafirmariam como vemos a instituição hoje. Com a diversidade de seus clientes e funcionários, na sua grande maioria representando fielmente o retrato do povo brasileiro, daquele mesmo povo retrato por Darcy nos idos da colonização. Diante disso, o que é bastante relevante é que a Caixa surgiu da necessidade humana de atender uma população desprivilegiada, uma população mais pobre, uma população historicamente submetida à subserviência e à indignidade social. Segundo Lia Valls Pereira “as somas depositadas pelos cinqüenta primeiros clientes da instituição variavam entre 10 mil e 50 mil réis” (PEREIRA, 2001 – P.75-77). Para se ter uma idéia, uma refeição à época não saia por menos de 2 mil réis. Portanto, esse exemplo configura o que já afirmei, a Caixa nasceu das mãos de muitos que tinham muito pouco para oferecer, mas que juntos construíram uma das maiores instituições públicas do Brasil, o maior banco público brasileiro e o maior da América latina.
O primeiro depositante oficial da Caixa Econômica Federal foi Antônio Álvares Pereira Coruja, de 55 anos, morador da capital do Brasil à época, a cidade do Rio de Janeiro, que abriu sua conta com 2 mil réis. Cabe lembrar que as dez primeiras contas abertas foram abertas em nome de crianças e se tornou uma tradição a abertura em nome de crianças na Caixa. Como as primeiras contas foram abertas em nome de crianças, achou-se por bem lançar uma campanha que denominaram de Semana do pé-de-meia e, assim como ainda faz quando os seus clientes abrem uma conta poupança e ganham brindes como os poupançudos, à época a Caixa distribuía cofrinhos como brindes. Na época a instituição chegou a distribuir cerca de 10 mil cofrinhos, foi um sucesso de distribuição.
É importante ressaltar que a Caixa também nasceu com a missão de estimular o hábito de poupar e, recentemente chegou a marca de 15 milhões de poupanças abertas. E a poupança mais antiga da Caixa foi aberta em nome de uma celebridade da Academia de Letras, o ex-presidente da academia Austregésilo de Athayde, que, segundo Lia Valls Pereira também foi confiscada na era Collor.
Esse Brasil de 10 milhões de brasileiros, das primeiras poupanças infantis e de seus mais de 10 mil cofrinhos era um Brasil que ainda era administrado na forma de capitanias. Embora as autoridades das capitanias não mais tivessem a autonomia de ação que tinham em séculos anteriores, pois eram subordinadas à autoridade do vice-rei, o império brasileiro ainda cuidava da ordem e dos interesses portugueses aqui estabelecidos.
O Brasil de princípio do século XIX era um país que utilizava na agricultura os mesmos mecanismos utilizados no século XVI. Foi um período de grande queda da atividade canavieira, do algodão e do tabaco, produtos que em séculos anteriores, fizeram a vez do comércio, embora tivesse sido utilizada em sua produção uma ampla mão de obra escrava. Neste momento a pecuária estava concentrada em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul, que produziam laticínios e charque. A mineração, que outrora fora a jóia da coroa portuguesa, atingiu o seu mais baixo rendimento em virtude do esgotamento das jazidas. A atividade industrial existia modestamente desde o reinado de D. João VI, pois fora proibida em 1785 e era recente a sua propagação no segundo reinado. Basicamente a instalação de indústrias no Brasil dessa época fora cooptada pelo acesso inglês ao mercado consumidor brasileiro, que promoveu desde o primeiro reinado a instalação de um grande número de firmas inglesas que se estabeleceram no Brasil para difundir o consumo de artigos provindos da Inglaterra. Nesse contexto, como podemos imaginar a situação de vida de um simples brasileiro? Como podemos vislumbrar quais eram seus anseios e desejos num estado onde as classes eram altamente demarcadas e as relações de subserviência eram a característica mais marcante desse modus vivendi?
CAPÍTULO 3 – A IMPORTÂNCIA DA CAIXA NO CENÁRIO HISTÓRICO BRASILEIRO

A Caixa ao longo de seus quase 150 anos é a instituição pública de referência para os segmentos sociais menos privilegiados e de maior numerosidade no Brasil. Ela é a instituição oficial na disponibilização do crédito imobiliário, além de ser a instituição oficial que administra vários fundos e programas sociais do governo federal brasileiro.
Dentre os principais fundos e programas sociais que são administrados pela Caixa, estão: o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), fundo que prioriza o atendimento aos setores de habitação e saneamento básico, o PIS (Programa de Integração social), o Seguro-Desemprego, o Bolsa-Família, o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), dentre outros programas. Além destes programas, a Caixa realiza operações normais de um banco, pois ainda oferece produtos como o Penhor. Nesse tipo de produto a idéia é permitir uma certa tranqüilidade a quem disponha de economia para guardar ou necessita de empréstimos a juros mais acessíveis. Com tudo isso, o que pode ser percebido claramente é que a Caixa Econômica federal é de fato a instituição social oficial do Brasil, pois atende áreas da habitação, saneamento, infra-estrutura e prestação de serviços. Deste modo, exercendo um papel fundamental para o desenvolvimento social, tendo em vista ser a maior promotora de desenvolvimento urbano e de justiça social no Brasil ao priorizar o atendimento àquela população de menor renda e mais carente de recursos públicos.
Um importante produto da Caixa que foi estritamente trabalhado e direcionado para a população de menor renda do país foi o produto CAIXA Aqui. Esse produto foi lançado em 2003 e possibilitou logo no primeiro ano a abertura de quase 2,5 milhões de aberturas de contas para aqueles brasileiros que viviam na informalidade, e que puderam abrir sua primeira conta bancária sem a devida comprovação de renda. O mais importante nesse produto foi a possibilidade de criação de pequenos empreendimentos tão sonhados que, ao terem acesso a empréstimos a juros de 2% ao mês, possibilitou que esses sonhos pudessem ser concretizados. Ao todo foram cerca de 240 milhões de reais em empréstimos a esses clientes que, até então viviam na informalidade e na exclusão bancária. Tendo em vista que nenhum banco no Brasil permitia a abertura de contas bancárias sem a devida comprovação de renda. Mas, num país com um contingente tão grande de brasileiros vivendo na informalidade, a solução seria deixá-los na exclusão bancária? Não, não foi isso que a Caixa aceitou e, a exemplo do que fez com os seus primeiros clientes, àqueles que também viviam à margem do complexo econômico ativo do segundo reinado, também pensou agora no século XXI, numa forma de atender esse segmento que, como àqueles do século XIX, também estavam vivendo na informalidade econômica. É importante ressalvar que atitudes como essa permitiram a premiação da Caixa como a empresa símbolo da Responsabilidade Social em 2004, através da premiação Marketing Best de Responsabilidade Social.
A Caixa também administra e distribui os principais Programas de Geração de Renda do país. E, em 2003 o governo federal achou por bem unificar todos esses programas. Dentre eles estão: O Bolsa Escola do Ministério da Educação, o Bolsa Alimentação do Ministério da Saúde, o Auxílio-Gás do Ministério de Minas e Energia e o mais divulgado programa de distribuição de renda, o Bolsa Família. Embora esses programas sejam bastante criticados e tidos como programas meramente assistencialistas, são programas importantes, pois, ao meu ver, enquanto o desenvolvimento sócio-econômico não alcança a todos os cidadãos brasileiros, essa parcela que vive à margem da economia formal deve ser atendida mesmo que emergencialmente.
À exemplo do que ocorreu com programas como o New Deal do governo Franklin Delano Roosevelt, nome dado a vários programas implementados nos Estados Unidos entre os anos de Depressão da economia norte-americana, que compreendeu o período de 1933 a 1937. Programa que objetivou recuperar a economia dos Estados Unidos e, ao mesmo tempo auxiliar os prejudicados pela Grande Depressão e a população de menor renda. Incluídos no programa norte-americano estavam: o investimento maciço em obras públicas como a construção de usinas hidrelétricas, pontes, hospitais, barragens, escolas e aeroportos. Também foram importantes o controle sobre os preços e a diminuição da jornada de trabalho com o objetivo de abrir novos postos de trabalho. Este modelo norte-americano é bastante semelhante a um outro programa do governo federal que foi criado recentemente e que também estimula o crescimento econômico brasileiro e que grande parte dos recursos financeiros são administrados pela Caixa, é o PAC – Programa de Aceleração do Crescimento.
O PAC é um programa do governo federal que visa estimular o crescimento da economia brasileira, promovendo o desenvolvimento sócio-econômico através do investimento em obras de infraestrutura como a construção de portos, rodovias, redes de esgoto, aeroportos, geração de energia, ferrovias, hidrovias, reurbanização de favelas, etc... O PAC, lançado em janeiro de 2007 pelo governo Luís Inácio Lula da Silva, previu um investimento na ordem de quase 600 bilhões de reais até o fim do ano de 2010. Os recursos utilizados pelo PAC têm origem em recursos da União, que é o orçamento do governo federal, capitais de investimentos das estatais como a Petrobrás e até mesmo da Caixa, além de investimentos privados. Dos quase 600 bilhões de reais de recursos do PAC, cerca de 150 bilhões passaram pela Caixa, pois a Caixa é o principal agente financeiro do Governo Federal.
É importante ressaltar que, além de um banco social a Caixa Econômica Federal do Brasil também é um banco com grande participação comercial no mercado. Só com a poupança tem cerca de 40% da fatia do mercado atual e fechou recentemente com a maior captação da história no ano passado, chegando a captar cerca de quase R$ 3 bilhões de reais. O acumulado chegou a quase R$ 110 bilhões de reais e, somente no estado de São Paulo a captação chegou ao recorde histórico de quase R$ 30 bilhões de reais. Aliás, não dá para falar de criação da Caixa Econômica sem falar concomitantemente em surgimento da conta Poupança. Pois a criação do banco tem relação com os recolhimentos de depósitos daqueles brasileiros menos favorecidos economicamente. A importância da Poupança para a Caixa é até elencada em parte do decreto nº 2.723, de 12 de janeiro de 1861, que possibilitou a criação da Caixa enquanto instituição pública de atendimento social. Consta no artigo 1º no discurso do então imperador Dom Pedro II:

“A Caixa Econômica estabelecida na cidade do Rio de Janeiro (...) tem por fim receber , a juro de 6%, as pequenas economias das classes menos abastadas e de assegurar, sob garantia do governo imperial, a fiel restituição do que pertencer a cada contribuinte, quando este reclamar (...)

O que o decreto está afirmando é, que a poupança passa a ser concebida como uma reserva de direito do cidadão brasileiro, reserva poupada pelas classes menos abastadas, e que seria utilizada nos momentos mais difíceis. E que sob a égide do poder público, a Poupança seria resguardada como um investimento seguro e garantido pelo governo de então.
Um adendo importante e que marcou a personalidade social da Caixa foi o atendimento em seus primeiros anos de vida à população negra e escrava da época. Pois a Caixa também aceitou os depósitos de escravos, pois ainda havia escravidão no princípio da segunda metade do século XIX, no Brasil do segundo reinado.
A possibilidade de abertura de contas Poupanças para escravos foi autorizada pela Lei nº 2.040, de 1871, que permitiu ao escravo formar um pecúlio, ou seja, uma economia advinda do trabalho ou de alguma economia, ou conseguida através de doações e heranças e serem acondicionadas numa conta poupança em nome do senhor de escravos. Tendo em vista que era necessária a autorização deste senhor de escravo para que o interessado pudesse abrir uma conta. Mas, segundo relatos de época, os pagamentos ou retiradas destas economias só poderiam ser realizadas pelo escravo. De outro modo, se o escravo fosse alforriado, este já poderia abrir uma conta em seu próprio nome.
A cobertura da Caixa pelo Brasil afora é quase que total. Há Pontos de Atendimento e Agências bancárias na quase totalidade dos municípios brasileiros. São cerca de 2.100 Agências bancárias, quase 500 unidades de Penhor, quase 500 Postos de Atendimento bancário, quase 1.200 Pontos de Atendimento Eletrônico, quase 13.600 Correspondentes não lotéricos e destes, cerca de 5.400 com equipamentos Caixa Aqui e 8.200 somente na área negocial. Além desta cobertura, a Caixa conta com o apoio de quase 10.300 Casas de Loterias, cerca de 20.000 Auto-atendimento em quase 2.700 salas e conta ainda com a estrutura da rede Banco 24Horas, com quase 4.300 postos de atendimento, além da rede externa de caixas que são compartilhadas com o Banco do Brasil, chegando a quase 6 mil terminais do Banco do Brasil. De algum modo, a Caixa é o único banco presente em todos os 5.560 municípios brasileiros e chega a atender até o público brasileiro que vive no exterior através de uma e-conta CAIXA internacional, que propicia um atendimento à distância, no qual os clientes podem fazer remessas de dinheiro ao Brasil, realizar aberturas de poupança e ainda aplicar suas economias em Letras Hipotecárias .
A Caixa atende uma gama enorme de segmentos sociais. Promove programas de premiação, incentiva e dissemina experiências regionais bem sucedidas através do Programa Caixa Melhores Práticas em Gestão Local. Trata-se de um programa que valoriza a experiência e a criatividade de populações e de prefeituras, com o intuito de melhorar a qualidade de vida dos munícipes. Portanto, desde os clientes do crédito imobiliário, dos pontos de Penhor, trabalhadores que recebem seus seguros-desemprego, os beneficiários do PIS e do FGTS, os estudantes que têm o apoio do FIES – Financiamento Estudantil, aposentados, apostadores das premiações das loterias e os beneficiários dos programas sociais, são todos atendidos pela Caixa Econômica Federal. E tudo isso é feito e apoiado pelos seus colaboradores, que são os quase 81.000 funcionários da Caixa Econômica Federal por todo esse Brasil, tão grande, tão diverso e ao mesmo tempo tão sincronizado com o ideal social suplantado pela Caixa Econômica Federal, que é o ideal de atendimento e participação pública de todos os cidadãos brasileiros, sem distinção de cor, etnia, condição econômica ou universo social.
É Importante ressaltar que a Caixa não deixou de ser competitiva ao priorizar o atendimento à população mais carente de recursos públicos. Ela também é uma empresa de porte competitivo e bastante rentável. Pois, ao ampliar a sua capacidade de investir no desenvolvimento sustentável das cidades brasileiras, a instituição também promove a inclusão bancária de vários segmentos sociais, principalmente o segmento mais carente.
A Caixa também promove o desenvolvimento humano e intelectual, pois também financia e patrocina projetos educacionais, desportivos e artísticos. No âmbito artístico a Caixa mantém o apoio ao desenvolvimento da Cultura através da Caixa Cultural, que administra diversos projetos no âmbito da produção artística, valorizando substancialmente as variadas manifestações regionais da cultura brasileira, além de vertentes estrangeiras, com o intuito de promover o intercâmbio entre culturas e a troca de experiências estéticas e dialógicas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Caixa foi gestada e nasceu das veias da ordem social. Mas não nasceu de qualquer ordem social, nasceu daquela ordem subjugada, necessitada, insalubre, que foi constantemente vilipendiada de seus direitos essenciais. E isso foi extraordinário! Pois jamais se imaginou que uma instituição pública como essa, pudesse crescer sob os auspícios de demandas de populações de menor rendas e altamente segmentadas e excluídas da ordem social estabelecida.
A Caixa nasceu dos anseios de uma gente que, nas palavras do grande Darcy Ribeiro foi “apresada”, de uma gente sem amor de ninguém, sem família, de uma gente sem nenhuma identificação com ninguém, de uma gente escrava”. A Caixa nasceu em nome de homens e mulheres que viviam à margem da condição humana, à margem da condição digna de subsistência.
A Caixa nasceu da necessidade de fazer, de um certo modo, a justiça social com àqueles que durante séculos foram relegados ao esquecimento. Gente que foi violentada não só fisicamente, mas também socialmente, psicologicamente. Gente que ao sofrer tanta violência histórica nos diversos estamentos e estratificações sociais no Brasil de 500 anos, sofreu com as alterações que ainda nos subjugam, nos deprime e nos tiram o direito de ter direitos. E quando vemos uma instituição como a Caixa Econômica Federal, que pretende trabalhar atendendo o Social, mesmo que não tão revolucionariamente, ainda pensamos, “ainda há esperança de fazer justiça social”. E fazer justiça social é promover a construção de habitações dignas, é realizar distribuição de água potável, saneamento público e reurbanização de favelas. Fazer justiça social é ampliar a eficácia nas ações de transferência de renda à população mais necessitada. É de algum modo possibilitar a criação de qualificação profissional para os jovens carentes das periferias das grandes cidades. É também assegurar o acesso ao crédito e aos serviços bancários aos milhões de brasileiros que, durante séculos foram alijados do status quo econômico e social da sociedade brasileira. Fazer justiça social e promover a igualdade de direitos é garantir não só o pagamento de aposentadorias e benefícios sociais, mas também o atendimento dos serviços bancários a todos os brasileiros, estejam eles onde estiverem, no território nacional ou no exterior. Fazer justiça social é garantir o pagamento de Seguro Desemprego e do PIS, é promover o financiamento estudantil e a distribuição de bolsas escola, bolsa família, bolsa trabalho. Fazer justiça social é oferecer cada vez mais os serviços, a assistência e as oportunidades quer elas sejam econômicas, culturais ou sociais, a todos os cidadãos brasileiros, para assim, de fato, o Brasil ser considerado um país de “todos os brasileiros”. E quase todas estas coisas a Caixa está realizando, promovendo a diferença em busca da realização da justiça social e da igualdade de direitos.
Nesse sentido, não dá para a sociedade brasileira prescindir de um banco público como a Caixa, um banco alicerçado firmemente em ideais do “direito de ter direitos”. Um banco que percorreu quase um século e meio de história, de desafios e lutas em nome do direito de fazer a diferença àqueles que até então não tinham direitos essenciais. Um banco que nasceu na sustentação e na resistência de milhares de brasileiros e de vários trabalhadores que, com o ideal de trabalhar num banco social, mantiveram-se sempre na função de bem servir o país. Um banco que sempre esteve voltado para o desenvolvimento econômico e social do Brasil e de todos os brasileiros.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SCHWARCZ, Lílian Moritz. As barbas do Imperador. Cia das Letras, 2007

RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. Cia das Letras, 2002

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PEREIRA, Lia Valls. O setor público brasileiro. Rio de Janeiro, p. 75-77. 2001

SILVA, Getúlio Borges. A questão da função social. Editora Forense, Rio de Janeiro

SILVA, De Plácido e. Caixas Econômicas Federais: suas histórias – seu conceito jurídico, sua organização – sua administração e operações autorizadas. Curitiba, 1937

ZIVKO, Wlazia de Oliveira. Casa Própria: sonho ou direito?

SANTOS, Sérgio Xavier dos. Caixa Econômica Federal Como Instrumento de Desenvolvimento Urbano do Governo Federal, Através do Programa Carta de Crédito FGTS

REVISTA DOS EMPREGADOS DA CAIXA. Ano 2 n.7, p 15-19, jan/fev. 2006

Caixa Fome Zero – Responsabilidade Social e Objetivos do Milênio – Edição: Caixa Econômica Federal (cartilha)

HISTÓRIA, MISSÃO E VISÃO DE FUTURO – disponível em: www.caixa.gov.br/asp/historia_e_missao.asp

Ensaio sobre a Angústia heiddegeriana e Cegueira de Saramago

A angústia segundo Heidegger é, dentre todos os sentimentos e experiências cognitivas da existência humana, aquela que pode reconduzir o homem ao encontro de sua totalidade como “ser”. Ela também reúne os pedaços a que o homem é reduzido ao imergir na monotonia e na indiferenciação da vida cotidiana. É a angústia que faria o homem elevar-se da traição cometida contra si mesmo, quando se deixa dominar pelas mesquinharias do dia-a-dia, até o autoconhecimento em sua dimensão mais profunda.
A partir da apreensão da angústia, o homem perceber-se-ia como um ser para a morte, como um ser fadado à falibilidade, um ser com um fim determinado. Pois somente o homem é capaz de intuir o absurdo da existência. Ao meu ver, as grandes questões propostas neste contexto heideggeriano são: O que fazer diante daquilo que fizeram de nós?E o que devemos fazer para sairmos desta condição? Quando isso ocorre Heidegger afirma haver duas soluções: ou o homem foge para a vida cotidiana, ou supera a angústia, manifestando seu poder de transcendência sobre o mundo e sobre si mesmo.
É importante ressaltar que Heidegger considera o homem como um ser no mundo, que se caracteriza mais propriamente como um ser para a morte. Para fugir de si e de sua própria morte o homem entra em decadência no mundo, embrenhando-se no universo do cotidiano e tornando-se mais um. E, o fato de o homem encontrar-se junto ao mundo o marca, onticamente, como um ser decadente. Dessa forma, a decadência é a determinação ôntica do factual, enquanto que a culpa é a determinação ontológica do existencial. Mas, a angústia, determinação ontológica do existencial da disposição, retira o mundo do homem lançando-o frente às suas possibilidades de ser, ou seja, frente ao nada que ele mesmo é. Nesse sentido, culpa e angústia determinam ontologicamente o homem como “ser” no mundo; isto é, como um ser atirado no mundo, um ser que tem que reafirmar e edificar-se a si mesmo, cotidianamente, durante toda a sua existência. Pois, à medida que o homem existe não lhe resta outra opção senão “ser”, já que somente a sua própria morte permite a ele não mais ter de “ser”. Num outro sentido, a culpa é a determinação ontológica do existencial e também é uma determinação factual.
A angústia sendo a determinação ontológica do existencial, nela o homem é abertura, pois a angústia abre para o homem a possibilidade de ele sair da publicização do cotidiano e assumir o seu ser, seja com propriedade ou impropriedade. Assim, a determinação ôntico-existencial do factual é a decadência e, a determinação ôntico-existencial da disposição é o temor, ou seja, a angústia velada.
Para Heidegger, o “medo e a angústia” representam uma ameaça à aparente tranqüilidade do ser fático. Atirado ao mundo, incluído no mundo, imerso na impropriedade do cotidiano. Mundo no qual o homem tem a sensação de que tudo está em ordem, de que tudo está sob controle, de que ele comanda a sua vida e o em torno dela. Mas, no instante em que surge a angústia o homem é retirado dessa suposta tranqüilidade e é atirado frente à sua condição de ser lançado e abandonado no mundo, de um ente que tem sempre que realizar o seu ser. Portanto, o que cada um pode ser só pode ser efetivado por ele mesmo e não por outrem. Esta imposição de que cada um tem que ser a si mesmo e por si mesmo remete o homem para sua condição primordial, ou seja, “enquanto ser que tem que ser”, quer dizer, na sua condição de estar-lançado, o homem está só no mundo. Nesse contexto, podemos nos perguntar, mas como isso é possível, se ele é constituído de mundo, como então pode ser só, sem mundo? Segundo Heidegger, apesar de o homem se fazer no mundo e a partir do mundo, a sua solidão consiste em que quando ele tenha que efetivar-se como ser no mundo, que ele é, ele não pode contar com o mundo, mas apenas consigo, já que somente ele pode realizar o seu ser. Este momento de solidão do homem oferece a ele a saída da decadência. Lembrando que a solidão que a angústia provoca no homem ao mostrar que a realização de seu ser depende só dele, rompe com a impropriedade do ser fático e lhe oferece a apropriação da intimidade de seu ser. Neste caso, a solidão, enquanto uma propriedade da angústia, singulariza o homem, mostra-lhe a singularidade de sua existência e em seguida deixa-o novamente entregue à sua condição factual. A necessidade de ser do homem e o sentimento de angústia e de solidão dela resultante representam a ameaça constante que persegue o homem, enquanto ele está estruturado pelo existencial da disposição. A angústia se precipita quando o homem toma consciência de que foi atirado ao mundo, numa condição de abandonado no mundo, de sua solidão como ser no mundo. “A angústia do ser diante do mundo é uma angústia do homem frente à sua própria solidão”, frente à sua condição original de ser para a morte, de ser finito, de ter que se fazer ou se reafirmar como ser no mundo a cada instante de sua existência. Quando o homem se depara com a sua morte, com o quanto ela lhe é própria e próxima, ele toma consciência de que é um ser para a morte e, portanto, um ser finito. Da mesma forma que somente o homem pode realizar o seu ser, também apenas ele pode morrer a sua morte. Ter que “ser” e ter que “morrer”, expressam a extrema solidão e a angústia latente do homem. E, na tentativa de fugir da solidão e da angústia o homem escapa de si e da sua morte e se atira ao mundo, na cotidianidade supérflua de sua existência, tornando-se um ser decadente. E é na decadência que o homem desvia de seu ser e de sua morte e pode viver a ilusão de que ele já é. E de que sua morte está distante, que só os “outros” morrem, já que as pessoas não costumam pensar na sua própria morte e daí ela é algo que cabe somente aos outros.
Segundo Heidegger, a angústia traz para o homem a sua verdade mais íntima, da qual ele procura escapar, verdade esta que o identifica como “ser”, e como “ser finito”. Para fugir desta percepção ontológica e da falibilidade material, o homem torna-se decadente e passa a viver mais na impropriedade do que na propriedade de seu ser. Pois a decadência propicia ao homem os momentos de prazer, ou seja, a sensação de tranqüilidade, a sensação de onipotência, a sensação de ordem, propicia o controle de sua existência. Donde se pode dizer que o “ser” em questão é um “ser” decadente que se angustia com o seu próprio ser no mundo.
Cabe lembrar que a angústia, por ser um modo do existencial que possibilita a singularização do homem, é considerada por Heidegger como disposição fundamental porque além do caráter de singularização da existência humana, ela também abre a possibilidade do homem sair da decadência e de se apropriar efetivamente do seu “ser”. Portanto, a angústia é a abertura que permite ao homem interpretar-se a partir de si mesmo e não a partir da publicização do mundo. Pois a angústia retira o mundo do homem e lhe restitui o ser no mundo, aí o homem não tem como escapar de si e fugir para o mundo. Ele está face a face consigo; esse é o momento de se ver no “espelho” existencial, de se ver assim como se é. E, na medida em que o homem está só consigo e que apenas ele pode realizar o seu ser, ele se singulariza como ser no mundo, como um ser livre e capaz de assumir com propriedade ou impropriedade o seu “ser”.
Para concluir esta resenha e ao mesmo tempo realizar um paralelo entre o conceito de angústia em Heidegger, a partir de então, discutirei o seu conceito de angústia paralelizando com obras como a de José Saramago - Ensaio sobre a Cegueira. Assim como o filme produzido a partir da obra de Saramago e dirigido por Fernando Meireles. Também utilizarei como aporte discursivo, a literatura de Graciliano Ramos – Angústia, que retrata com muita propriedade o conceito de angústia em Heidegger, a partir do seu protagonista Luís.
Li Saramago e Graciliano há muito tempo e parte do que descreverei foram as impressões deixadas por estas leituras antigas, mas, como recentemente vi o filme baseado na obra de Saramago, creio que estarei um pouco melhor embasado para paralelizar o conceito de angústia.
Recordo-me que quem tinha mais problemas com a cegueira na obra de Saramago era quem não queria enxergar a realidade. Nesse sentido, esta relação da impossibilidade de ver me faz rememorar os personagens da Alegoria platônica. E tanto na obra de Platão, quanto na obra de Saramago e, também traduzida na filmografia de Fernando Meireles, a grande questão é: “aquele que vê pode decidir o que os outros devem fazer?”. Ao meu ver, aquele que vê faz toda a diferença, mas ao mesmo tempo, este que vê tem medo de abrir os olhos. Daí, este medo de abrir os olhos é aquele medo demonstrado por Heidegger quando diz que, “o homem deixa de “ser” quando opta pela atividade de vida cotidiana, quando opta pela impropriedade da vida”. E nas palavra de Saramago, esta dificuldade de abrir os olhos, esta dificuldade de se ver e de ver as coisas é: “percebermos que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso”.
Obras como as de Heidegger, Saramago e Graciliano Ramos e, muito anteriormente a obra de Platão, primam pela crítica aos valores da sociedade, demonstrando que a cegueira desvenda as características primitivas do ser humano. Pois todos os sentimentos são desvendados nessas obras, o poder, a obediência, a ganância, o carinho, o desejo, a vergonha; o universo dos dominadores, dos dominados, o universo dos subjugadores e dos subjugados.
No Ensaio de Saramago, a angústia Heideggeriana é representada pela personagem central, uma mulher, a única que vê e que secretamente manterá a sua visão. É a partir dela que Saramago mostra as ações e reações do ser humano às necessidades, à incapacidade e à impotência, ao desprezo e ao abandono. O trabalho de Saramago também nos faz refletir sobre a moral, sobre os costumes, sobre a ética e preconceitos através dos olhos vívidos da personagem central. É a personagem que vê, é a única que se depara com as situações inadmissíveis, pois mata para se preservar e também para preservar aos demais.
Diz Saramago em sua obra: “Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, cegos que vêem, cegos que, vendo, não vêem”. Nesse contexto podemos refletir: a) o medo cega? b) já éramos cegos no momento em que nos cegamos? c) o medo nos cegou? d) o medo nos fará continuar cegos?
De outro modo, mas universalizando o conceito de angústia heideggeriano e com um poder doentio de auto-análise, Luís, personagem do livro Angústia de Graciliano Ramos, tinha consciência que levava uma vida de idiotia e de muita frustração. A partir daí, desenvolve uma ojeriza, um asco aos outros e a si mesmo. Esta obra de Graciliano, uma das mais importantes do modernismo brasileiro, consegue passear pelo campo social, pelo campo psicológico e pelo existencialismo heideggeriano. Vemos na obra de Graciliano o Dasein heideggeriano no personagem Luís, assim como o vimos na personagem que “vê” de Saramago. Pois cabe ressaltar que, a questão fundamental da filosofia heideggeriana não é o homem mas sim o ser, o sentido de ser. E o ponto de partida necessário de toda tentativa em “determinar” o sentido do ser do ente geral, era o homem como “ser-aí” ou o denominado Dasein. Pois, como já descrito por mim em parágrafos anteriores, “o homem é o único ao qual é, de fato, exigida uma solução para o problema do existir”. Assim, o Dasein é o único que pergunta, é o único capaz de se questionar sobre o sentido do ser e esse processo é o trabalho que também faz a hermenêutica. É nesse sentido que Heidegger, Graciliano e Saramago são autores que propiciam reflexões de caráter universal sobre a existência humana. Portanto, obras como, Angústia e Ensaio sobre a Cegueira são adequadas para a discussão e compreensão do conceito de existencialismo e angústia em Heidegger e também em Sartre. Ao meu ver, Graciliano e Saramago estiveram em profunda sintonia com seus respectivos tempos. Graciliano em Angústia e Vidas Secas e Saramago em O Ensaio sobre a Cegueira, pois ambos souberam sutilmente capturar as nuances psicológicas, as nuances individuais e sociais da obra de Heidegger, mesmo que indiretamente. Principalmente quando o ser humano se vê desorientado com os descaminhos que tomaram a civilização do século XX.
BIBLIOGRAFIA
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Trad. bras. de Márcia Cavalcante. Petrópolis: Vozes, 1993. Vol. I.
SARAMAGO, José. Ensaio sobre a Cegueira. Cia das Letras
RAMOS, Graciliano. Angústia. Editora Record.
PLATÃO. Alegoria da caverna.
VIDEOGRAFIA
MEIRELES, Fernando. Ensaio sobre a Cegueira.2008.

Estado de natureza x Estado civil em Hobbes e Locke - O papel do Estado em Hobbes e Locke

Introdução

O que serão analisados nos capítulos que sucedem esta introdução são as teorias hobbesianas e lockeanas. Tendo em vista a relevância dessas teorias para o campo do pensamento político moderno. Mas em paralelo e como suporte às questões teóricas, o trabalho de Rousseau será mencionado relevantemente.
Hobbes, Locke, assim como Rousseau, embora com proposições teóricas direcionadas contrariamente, todos influenciaram o pensamento moderno. Influenciaram o pensamento político moderno a partir das suas proposições sobre o Estado de Natureza e o Estado Civil. Proposições pautadas a partir da defesa de Hobbes sobre a origem da sociedade com o pacto social. Pacto no qual, segundo ele, os indivíduos teriam aberto mão de seus direitos, livremente, em nome de um poder político absoluto. Locke, por sua vez, defendeu os interesses do direito individual e foi um grande opositor das idéias hobessianas, fundamentalmente no quesito da legitimidade de uma instituição com poderes amplos.
Ambas teorias, as de Hobbes e Locke, assim como também as de Rousseau, proporcionaram soluções ou possíveis respostas, às problemáticas dos conceitos de poder, do surgimento deste poder e da efetiva aplicabilidade deste poder. Além de contribuírem enormemente com suas perspectivas teóricas em três importantes revoluções: a Revolução Gloriosa, as lutas pela independência norte-americana e a Revolução Francesa.

O Estado de natureza x Estado civil em Hobbes e o papel do Estado

O conceito de “Estado de natureza” tem como finalidade a tentativa de explicar uma situação pré-social na qual os indivíduos tenham existido isoladamente. Nesse sentido, para Hobbes, no Estado de natureza os indivíduos vivem isoladamente e em constante luta numa guerra de todos contra todos. Nesse estado impera fundamentalmente o medo da morte violenta e, conseqüentemente, para se protegerem uns dos outros, os homens criam as armas e passam a cercar as terras que ocupam. Vale lembrar que a vida nesse estado não tem garantias efetivas de proteção e a posse da terra não tem nenhum reconhecimento. A única lei é a força do mais forte, e é neste estado de natureza que o homem passa a ser o que Hobbes denominou de “o lobo do homem”.
Nesse sentido, Hobbes, na sua obra máxima O Leviatã, parte do princípio de que os homens são egoístas e que nesse sentido o mundo não satisfaz todas as suas necessidades e que, portanto, no Estado Natural, haveria a constante competição entre os homens pela riqueza. “Esta menção, ao meu ver, nos faz refletir sobre os tempos em que vivemos, tempos de constantes lutas de todos contra todos pelas riquezas e recursos naturais, ainda disponíveis” (GRIFO meu). Mas a luta da qual Hobbes salienta é a “guerra de todos contra todos”, e esta luta ocorre porque cada homem tem como finalidade essencial perseguir os seus próprios interesses. Mas o maior desejo dos homens é o de manter a sua própria vida e Hobbes atribui a este desejo o nome de instinto de conservação, pois no Estado natural a vida está em constante ameaça.
Segundo Hobbes, os homens, em decorrência deste instinto de conservação e guiados pela razão, são levados a compactuarem entre si, por meio de um contrato social, as seguintes prerrogativas:

“...a condição preliminar para obter a paz é o acordo de todos para sair do estado de natureza e para instituir uma situação tal que permita a cada um seguir os ditames da razão, com a segurança de que outros farão o mesmo”. (BOBBIO, 1991).

Nesse sentido, como é possível acabar com esta guerra, ou seja, a “guerra de todos contra todos?" A solução não é dada pela moral ou pela justiça, pois em virtude dos homens viverem no Estado natural estes conceitos não fazem sentido. Mas a resposta é dada pelo “contrato social”. É o desejo de abandonar o ataque de uns contra os outros. Mas uma promessa de apaziguamento por meio de um contrato social que não pode ser cumprida. Nesse aspecto, há que se estabelecer um mecanismo que obrigue o cumprimento deste contrato. Para que haja o cumprimento deste acordo, Hobbes salienta que se faz necessário a criação de um mecanismo de punição para aqueles que não cumprirem o acordo. Nesse contexto, para ele, a entidade ou o grupo que poderia fazer o papel do cumprimento efetivo do contrato social é chamada de “soberania”. Hobbes ressalta que, os homens reunidos numa multidão de indivíduos, pelo pacto social, passam a constituir um corpo político, uma entidade artificial criada pela ação dos homens e que hoje conhecemos por Estado.
Defensor do absolutismo estatal do rei, Hobbes criou uma teoria que fundamenta a necessidade de um Estado soberano como forma de manter a paz. Em sua teoria, Hobbes parte do contrário, ou seja, ele inicia a sua teoria a partir da convivência dos homens sem o julgo do Estado, para depois justificar a existência dele.
Soberania para Hobbes é caracterizada como o poder que estaria acima de tudo e de todos. Nesse sentido, o Estado soberano estaria acima das leis e acima das constituições. Neste aspecto, trata-se de um poder absoluto e indivisível. Esta soberania pode ser um indivíduo, uma assembléia eleita, ou ainda qualquer outra forma de governo. Vale lembrar que, a essência desta soberania consiste unicamente em ter o poder suficiente para manter a paz, punindo aqueles que a quebrarem. Quando este soberano, denominado por Hobbes de o Leviatã passa a existir, a justiça passa a ter sentido, tendo em vista que os acordos e as promessas passam a serem cumpridos obrigatoriamente.
É importante ressaltar que a função do soberano é o de assegurar que todos respeitem o contrato social e, deste modo, garantir a vontade de todos que buscam a paz e a segurança individual. É nesse sentido que Hobbes defende o poder absoluto e conseqüentemente defendeu esta forma de soberania nas principais monarquias absolutistas européias. Mas este soberano, nos lembra Hobbes deve desempenhar muito bem esta função, pois o soberano deve exercer um poder absoluto sem estar subordinado a ninguém, ou ainda não estar subordinado a nenhuma constituição ou Carta Magna.
Vale lembrar que a forma de poder absolutista almejada por Hobbes não era na prática àquelas formas vividas na prática pelas monarquias européias. Pois Hobbes acreditava que o soberano absoluto poderia expulsar da sociedade aqueles que se esforçassem por guardar coisas que fossem supérfluas enquanto outros sofressem da sua carência e privação. Neste sentido, o soberano é que deveria ficar encarregado de distribuir terras de um dado país ou região eqüitativamente em nome do “bem comum”. Os instrumentos do poder absoluto dos soberanos ainda seriam necessários para impedir os abusos e a violência cometidos pelos mais fortes contra os mais fracos, porque isso poderia desagregar a sociedade e destruir a pax civilis. Portanto, o Estado absoluto ou o Leviatã, deveria ser o monstro bíblico que protegeria os humildes dos arrogantes.
O Estado de natureza de Hobbes evidencia uma percepção social da luta entre os fortes e fracos. É o estado no qual vigora o poder da força e para cessar este estado de vida ameaçador, os homens optam em passar à sociedade civil, ou seja, ao Estado Civil, advindo daí o Poder Político e a criação de Leis. Ressaltando que a sociedade civil é o Estado propriamente dito, é também a sociedade vivendo sob o direito civil, é a sociedade vivendo sob as leis promulgadas e aplicadas pela entidade soberana, entidade autorizada pelo pacto social. O que é mais extraordinário nessa teoria é que os contratantes transferem o direito natural ao soberano e com isso o autorizam a transformá-lo em direito civil. Ou seja, os contratantes transferiram ao soberano o direito exclusivo do uso da força e da violência e de outros mecanismos do contrato social.

O Estado de natureza x Estado civil em Locke e o papel do Estado

Enquanto na teoria do pensamento político de Hobbes a propriedade privada não é um direito natural, mas é um direito civil, Locke abarca a sua teoria do pensamento político a partir do direito natural como um direito à vida.
Para Locke, o Estado passa a existir a partir do contrato social e possui as mesmas funções que Hobbes atribui a sua teoria do pensamento político contratual. Mas a principal finalidade do Estado Lockeano é o de garantir o direito natural da propriedade.
A teoria liberal do Estado de Locke tem uma função tríplice, sua primeira função é regida primeiramente por meio das leis e do uso legal da violência como garantidores do direito natural de propriedade, sem interferência na vida econômica. É daí que advém a idéia de liberalismo econômico, ou seja, o Estado deve respeitar a liberdade econômica dos proprietários privados, deixando que os mesmos estabeleçam as regras e as normas das atividades econômicas, ou seja, dos trâmites do mercado. Em segundo lugar, visto que os proprietários privados são capazes de estabelecer as regras e as normas da vida econômica, vale lembrar que, entre o Estado e o indivíduo há uma inter-relação com uma esfera social, ou seja, com a sociedade civil. É importante ressaltar que nesse processo o Estado não tem poder inquiridor, mas apenas a função de garantidor e árbitro dos conflitos no âmbito da sociedade civil.
Nessa teoria, o Estado tem a função de arbitrar essencialmente por meio das leis e da força os conflitos advindos da sociedade civil. Por fim, o Estado tem o direito de legislar, permitir e proibir tudo quanto pertença à esfera da vida pública, mas não tem o direito de intervir sobre a consciência dos governados. Nesse sentido, o Estado deve garantir a total liberdade de consciência, ou seja, garantir a liberdade de pensamento de todos os governados, podendo exercer a censura nos casos em que se emitam opiniões que ponham em risco somente os preceitos do próprio Estado.
Uma outra concepção importante, mas contraposta a de Locke e a de Hobbes é a concepção de Estado de natureza em Rousseau. Para ele, nesse estado os indivíduos vivem isolados pelas florestas, sobrevivendo com o que a natureza lhes dá. Diferente de Hobbes, nessa teoria os homens desconhecem as lutas e as guerras e vivem numa constante relação generosa e benevolente. Mas esse estado ideal de relações solidárias termina quando alguém cerca um terreno e proclama: “isto é meu”. Nesse sentido, é na divisão do que passa a ser meu e seu, ou ainda, no surgimento da propriedade privada é que se dará o surgimento da sociedade como a conhecemos hoje. E também corresponderá ao Estado de natureza hobbesiano no sentido da guerra de todos contra todos.
Partindo numa intersecção de ambas teorias, ou seja, as de Hobbes e as de Rousseau, Locke fundamenta a teoria do direito natural como direito à vida, direito à liberdade e aos bens necessários para a conservação de ambas. E esses bens só são conquistados por meio do trabalho. O que Locke faz é legitimar a propriedade privada enquanto “direito natural”, direito conquistado por meio do trabalho. Escreve Locke:

“...é um artífice, um obreiro, um arquiteto e engenheiro que fez uma obra, ou seja, o mundo. Este, como obra do trabalhador divino, a ele pertence. É seu domínio e sua propriedade. Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, deu-lhe o mundo para que ele reinasse e, ao expulsá-lo do Paraíso, não lhe retirou o domínio do mundo, mas lhe disse que o teria com o suor de seu rosto. Por todos esses motivos, Deus instituiu, no momento da criação do mundo e do homem, o direito à propriedade privada como fruto legítimo do trabalho. Por isso, de origem divina, ela é um direito natural”. (CHAUÍ,2000).

Nascia daí a teoria liberal e a burguesia de então passa a se ver como legítima perante a nobreza e a realeza. E desta forma, os burgueses passam a acreditar serem proprietários legítimos em virtude do esforço de seus próprios trabalhos. E nobreza e realeza passam a serem consideradas verdadeiros parasitas, pois somente usufruem daquilo que foi produzido. Deste modo, a teoria lockeana possibilitará na Inglaterra a consolidação em 1688, na chamada Revolução Gloriosa. E em 1776 contribuirá teoricamente com as lutas de independência dos Estados Unidos da América e uma década depois, contribuirá com o aparato teórico da Revolução burguesa na França de 1789.

Conclusão

O que pôde ser averiguado nas teorias de Hobbes e Locke é que ambos oferecem soluções ou respostas contrárias ao problema da teoria do pensamento político nos Estado de natureza e Estado civil. Pois, enquanto Hobbes defende que a origem da sociedade só é possibilitada por meio de um pacto social, pacto no qual os indivíduos livremente transgridem os seus direitos em troca de um poder político absoluto. Locke, por sua vez, defende os interesses da liberdade individual dos indivíduos e é bastante contestador da transgressão dos direitos individuais, assim como também é contrário à legitimidade de uma instituição com poderes absolutos.
Diante deste contexto, Rousseau tentará conciliar as posições de Hobbes e Locke ao propor a idéia de uma vontade geral movida pelo povo e em separado do Estado. Pois os indivíduos, segundo Rousseau, ao obedecerem as leis, estariam obedecendo a si mesmos e não necessariamente a um complexo estatal. Pois desse modo, os indivíduos resguardariam os interesses coletivos em nome do bem comum.
Ao desenvolverem essas teorias, Hobbes, Locke e Rousseau desenvolveram três noções importantes, ou seja, o Estado de Natureza, o Contrato Social e o Estado Civil.
No Estado de Natureza o objetivo principal desses autores é o de compreender as condições em que viviam os homens antes de sua existência em sociedade, ou ainda, antes do surgimento do Estado. Pois, deste modo, a possibilidade de um pacto social ou contrato social é o que provavelmente explicaria como os seres humanos poderiam ter saído do estado de natureza e chegado ao Estado ou o denominado Estado Civil.
De maneira geral, Hobbes e Locke desenvolvem as noções fundamentais da filosofia política moderna, respectivamente através de duas importantes obras, O Leviatã (1651) e Tratado sobre o governo civil (1690). Em O Leviatã, para compreender a origem da sociedade e a necessidade de um poder político, Hobbes começa por definir o que é o homem, e o caracteriza da seguinte forma:

... “o homem é um ser movido por uma única paixão, a busca do prazer e a recusa do desprazer. Impelidos por um mesmo desejo, os homens buscam impor suas vontades sobre os demais já que o único direito que vigora na natureza é a força”. (NASCIMENTO, 2008).

Disso, segundo Hobbes, resultaria na guerra de todos contra todos. No entanto, John Locke no seu Tratado sobre o governo civil concebe o estado de natureza diferente de Hobbes e o concebe numa situação de certa paz e harmonia entre os homens. Mas para Locke, no estado de natureza, os homens, já dotados de razão, também já desfrutam de alguns direitos naturais que o direito civil só irá confirmar. Alguns desses direitos são: o direito de propriedade, que é conseqüência do trabalho; o direito de liberdade pessoal, o direito de legítima defesa, dentre outros. É importante ressaltar que, diferente de Hobbes, Locke não defende as pretensões de um poder absoluto, mas corrobora a idéia de um pacto social como origem do poder político. Lembrando que aqui o pacto social não é, como o foi em Hobbes, a renúncia do indivíduo que abre mão do poder individual em favor de um soberano, mas trata-se de um contrato com reciprocidade de compromissos. Enquanto em Hobbes o pacto social é um pacto de submissão, em Locke é um pacto fundamentalmente de consentimento.

Referências bibliográficas

HOBBES, Thomas. O Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil., São Paulo, Os Pensadores, 4 ed., Nova Cultura, 1998.

BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes. Rio de Janeiro, Campus, 1991.

CHAUÍ, Filomena. Filosofia. São Paulo, Editora Ática, 2000.

LOCKE, Segundo Tratado sobre o governo, Martins Fontes, 1995.

NASCIMENTO, Rodnei, Indivíduo e Estado nas filosofias de Thomas Hobbes e John Locke, in: Logos e Práxis: Leituras de Filosofia Antiga, Ética e Política, Metodista, 2008.

Violência - Uma interpretaçâo filosófica

Minhas pesquisas versam sobre possíveis “sentidos” consubstanciados à Violência contemporânea. Tendo como argumento central: “a Filosofia de Hannah Arendt poderá ser um instrumento de análise desta violência?”. Nesse sentido, o enfoque é substancialmente centralizado no conteúdo filosófico de sua obra e nas possíveis interlocuções de pensadores clássicos da Filosofia e pensadores que, assim como Hannah Arendt discorreram sobre o tema no decorrer do século XX.
Mas, em virtude da necessidade da Filosofia ocupar um lugar de destaque na análise da violência contemporânea, tendo em vista na contemporaneidade o debate estar centralizado substancialmente nas áreas de conhecimento vinculadas a Sociologia e da Psicologia, convém aqui problematizar outras possibilidades de análise, agora com enfoque filosófico. Pois há uma infinidade de discursos propagados pela mídia contemporânea que dissemina uma idéia generalista do problema; de um lado discursos reafirmados pela psicologia ao patologizar a violência e, de outro, as Ciências Sociais ao transformarem em dados numéricos esses discursos. Tendo em vista que o enfoque da discussão geralmente é padronizado por esses dois campos da Ciência. Nesse sentido cabe problematizar em meus estudos um outro questionamento: Quais os instrumentos filosóficos na obra de Hannah Arendt que podem possibilitar outras interpretações ao analisarmos a violência contemporânea e que venham a destacar-se nos discursos sobre a violência?Pois, de um lado áreas da Psicologia tratando o tema da violência como patologia e, de outro, a Sociologia tratando do problema estritamente como um fato social.
Meu trabalho pretende investigar os mecanismos dessa violência, seu processo de reelaboração e manutenção na sociedade contemporânea numa perspectiva filosófica. É importante ressaltar aqui que Violência possa comumente significar uma ação usada à força para ir contra a natureza de algum ser, ou seja, desnaturar. Para Hannah Arendt, “a violência se caracteriza por sua instrumentalidade, distinguindo-se do poder, do vigor, da força e mesmo da autoridade. Diante disso, a Política constitui-se no horizonte de interpretação da violência, que não é nem natural, pessoal ou irracional. A violência contrapõe-se ao poder: de forma que onde domina um absolutamente, o outro estará ausente”.1 Não se trata de discutir levianamente qualquer aparato da violência, tendo em vista que todo ato de força contra a espontaneidade, à vontade e a liberdade de alguém é necessariamente “coagir, constranger, torturar, brutalizar. Neste contexto, todo ato de violação da natureza de alguém ou de algo valorizado positivamente por uma dada sociedade, transforma-se num ato de violação, ou seja, é um ato de transgressão contra o que alguém ou uma dada sociedade define como justo. Portanto, o que interessa aqui é “a violência enquanto um ato de brutalidade, de sevícia e de abuso físico e psicológico contra um indivíduo e que se caracteriza através de relações intersubjetivas que podem ser definidas socialmente pela opressão e intimidação, pelo terror e pelo medo, é isso que aqui interessa, ou seja, “como se dá, como se processa esta violência a partir de possíveis interpretações filosóficas”.
Creio que a Filosofia, por ser uma disciplina mater, possa possibilitar uma interlocução mais coerente e mais abrangente ao discutir a questão da violência, pois não desumaniza a interpretação da problemática. Nesse contexto, nenhuma filosofia se sobressai mais do que a Filosofia de Hannah Arendt, pois, ao longo de sua obra tratou essencialmente do ser humano, tratou de humanidade e teve como principal tentativa metodológica humanizar os homens de uma época. Assim como apontar o problema da violência a partir da relação de poder que foi instrumentalizada na sociedade contemporânea, inclusive em regimes democráticos.
É importante ressaltar, que as reflexões que pairam no âmbito deste projeto acadêmico também têm como objetivo analisar as possíveis interlocuções entre a Filosofia clássica e autores contemporâneos de várias áreas do conhecimento que também discutem a violência no século XX. Além disso, um dos principais objetivos desses estudos é possibilitar de forma crítica outro olhar sobre os possíveis “sentidos”, sobre as possíveis origens e manutenção da Violência, agora sob a responsabilidade teórica da Filosofia. Propondo uma análise intelectual da expansão do discurso cultural vigente promovido por influência midiática, que contribui fundamentalmente com uma “única” possibilidade de interpretação sobre as possíveis origens e manutenção da Violência. Diante disso, tenho trabalhado exaustivamente para que haja a construção de uma discussão séria no campo educacional, intelectual e midiático de que há outros “processos” de formação cultural da violência, que não são padronizados e elaborados somente numa perspectiva, mas sob vários vieses. Dissociando da idéia muito comum de que a violência somente surge a partir de condições materiais que não são bem elaboradas e equinanimemente distribuídas por uma dada sociedade.
  Há a pretensão no âmbito de todas estas questões apresentadas, de possíveis interlocuções e interpretações sobre as formas de construção da violência social, das suas formas de manifestações simbólicas, das formas das relações interétnicas, da história e dos contextos de violência desde a Grécia antiga à origem do Brasil, chegando à contemporaneidade. No caso brasileiro, a proposta de interlocução e interpretação tem se desenvolvido através da leituras de trabalhos memoriais da antropologia, por exemplo, de Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro, respectivamente em obras como Casa Grande Senzala e O Povo Brasileiro. E no caso da Filosofia, as minhas leituras têm se centrado em obras da Filosofia Política de Hannah Arendt, assim como tenho utilizado textos clássicos da oralidade socrática e textos memoriais de Platão e Aristóteles.
Partindo de sua interpretação de Kant, tenho elencado a teoria original sobre a violência de Hannah Arendt com sua base filosófica, ou seja, o Humanismo. “Cabe lembrar que foi Hannah Arendt quem primeiro alertou mundialmente para a falta de grandes estudos sobre o fenômeno da violência e a conseqüente banalização do conceito”. Também foi Hannah Arendt quem primeiro analisou com sofisticação intelectual as relações entre Poder, Governo e Violência e quem primeiro definiu a confusão comum entre Poder e Violência ao dizer:

[.] o poder é de fato a essência de todo governo, mas não a violência. A violência é por natureza instrumental; como todos os meios ela sempre depende da orientação e da justificação pelo fim que almeja.2

Outro importante filósofo com quem tenho trabalhado o conceito de violência é Eric Weil, para quem a Filosofia surge nos primórdios da antiguidade como forma de superação da violência. Em seus trabalhos é possível perceber uma grande crença na humanidade, uma crença que passa pela dotação da razão humana que funda uma humanidade e, essa humanidade se torna moral ao recusar a violência.
E, como aporte às minhas pesquisas empíricas e teóricas, tenho absorvido leituras pertinentes de importantes pesquisadores, tais como: Pierre Bourdieu, Ruben Alves, Octávio Ianni, Freud, Foucalt, W. Jaeger, Norbert Elias, E. Goffman, M.Taussig, Florestan Fernandes, Sérgio Adorno, dentre outros.

ARENDT 1994, p40-1